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Derrotar Bolsonaro! Mas como?

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Na capital gaúcha, um cerco foi montado entre os manifestantes antifascistas e manifestantes pró-Bolsonaro - Foto: Luiza Dorneles / Amigos da Terra Brasil
Quanto mais encurralado, Bolsonaro e seu grupo se tornam mais agressivos e se mantêm na ofensiva

O fato central na atual conjuntura é a trágica aceleração da pandemia de covid-19, jogando nosso país para uma situação catastrófica de epicentro mundial, com desdobramentos imprevisíveis. A perspectiva, cada vez mais concreta, de centenas de milhares de mortos em poucos meses será decisiva nos desdobramentos políticos.

Bolsonaro assumiu, desde o início, a lógica genocida de se opor ao isolamento social, única forma que a ciência propõe como efetiva para conter as mortes. Governadores e prefeitos já começam a ceder às pressões empresariais e afrouxam as medidas de contenção, possibilitando que a tragédia ganhe proporções inimagináveis.

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Bolsonaro vem perdendo apoio em sua base, especialmente na classe média.

Representações políticas burguesas crescentemente se descolam do governo Bolsonaro e engrossam a oposição. Ainda é cedo para que o fato comprove uma efetiva adesão das frações burguesas que, até recentemente, estavam coesas em torno do programa de Paulo Guedes. Sabemos que há uma relativa autonomia política dessas representações, que se definem e se posicionam com mais rapidez do que suas respectivas bases de sustentação, especialmente nos momentos turbulentos de crise profunda.

O importante é que o cenário vai se somando à necessidade, um potencial de construir uma forte campanha pelo afastamento de Bolsonaro, questão decisiva na qual devemos apostar todas as forças.

Quanto mais encurralado, Bolsonaro e seu movimento se tornam mais agressivos e buscam se manter na ofensiva. Uma postura que assusta e intimida a vacilante oposição burguesa e até mesmo os membros do Judiciário.

Os recentes atos antifascistas foram importantes para refrear a ofensiva do movimento bolsonarista e impedir que detenham o monopólio das ruas. No entanto, um provável crescimento disparado do número de mortes por covid-19 gera uma inevitável dificuldade para que se massifiquem na proporção exigida para obter a necessária vitória. A contradição entre o cada vez mais necessário distanciamento social e mobilizações de massas vai ganhando concretude.

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Organizar a resistência

Uma questão se coloca para todas as organizações populares: como se organiza a resistência ao fascismo?

Lutar de forma ampla, construindo ações e posicionamentos com todos que apoiam o "Fora, Bolsonaro" e a defesa da democracia é sem dúvida uma necessidade política. Saber construir uma articulação que consiga atrair os mais amplos setores em torno de lutas concretas é tarefa urgente.

Para as forças de esquerda, aprofundar sua própria unidade e, simultaneamente, articular todos os setores e representações, inclusive burguesas e conservadoras, passa a ser um desafio imediato.

Mas é possível combinar desafios que guardam contradições de tal monta?

Não se trata de simplesmente “botar um pé no barco e outro no barranco”, como dizem os paraenses. Há que se identificar qual é o desafio central da tática.

É preciso ter claro que, se as forças de esquerda não recompõem sua capacidade de representar os interesses das classes trabalhadoras — e as manifestações das torcidas demonstraram essa debilidade —, não só permanecerão fora do jogo político, como também não haverá resistência consequente e capaz de derrotar o fascismo.

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Enquanto o enfrentamento político permanecer como uma disputa interburguesa, não haverá saída favorável aos interesses populares e a vacilação e a conciliação tendem inevitavelmente a predominar.

Portanto, o centro da tática das forças de esquerda não pode ser outro do que recompor sua capacidade de expressar os interesses do proletariado e de seus aliados fundamentais. Isso não é simples. Exige uma verdadeira inflexão tática e, como tenho repetidos nesses artigos, impõe a retomada do debate estratégico.

O centro da tática das forças de esquerda não pode ser outro do que recompor sua capacidade de expressar os interesses do proletariado e de seus aliados fundamentais.

E como conseguir recompor essa representação, que envolve desafios tão complexos?

Construção de um programa

Há uma questão primordial, decisiva, sem a qual nenhum esforço será suficiente para reconstruir a capacidade de representação do proletariado e as classes populares: a questão do programa.

É preciso ter um programa claro, sem ambiguidade, que expresse os interesses das classes trabalhadoras. Este programa, com medidas antimonopolistas, anti-imperialistas e antilatifundiárias é o pressuposto decisivo. Participaremos e construiremos lutas comuns amplas, com todos os setores que assumem a palavra de ordem “Fora, Bolsonaro”, mas com um programa e uma alternativa própria, cujo conteúdo limita a possibilidade de alianças com frações burguesas.

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Um programa que se apresente com medidas imediatas para assegurar as condições de vida dos mais pobres e das classes trabalhadoras, que trave a disputa dos recursos públicos com os interesses capitalistas.

Em nossa história recente, o exemplo que vem à tona é a Campanha das “Diretas Já”, em que o PT soube construir e articular grandes ações de massa unitárias, mas sempre manteve sua independência, utilizando os palanques para agitar o Programa Democrático Popular, que poucos anos depois se apresentaria como a alternativa fundamental nas eleições de 1989.

Repito. É evidente que, para derrotar o neofascismo, afastando Bolsonaro da Presidência, não devemos vacilar em nos aliar, neste ponto, com qualquer liderança burguesa, por maiores que sejam nossas incompatibilidades de projeto. Aliança pontual, em lutas e ações concretas.

A forma para conjugar essas tarefas, necessárias, mas que guardam contradições, não é propor duas frentes e buscar isso participando de ambas.

A chamada Frente Ampla, ou Frente Democrática, caso venha a se constituir, será inevitavelmente dirigida pelas representações políticas burguesas.

Não se trata de um debate semântico de nomenclaturas. Uma Frente Política entre organizações distintas é um conceito com definição e história na luta da classe trabalhadora. Seu projeto, composição e objetivos têm que transmitir uma mensagem clara.

Existe uma proposta, no bojo da esquerda, formulada por importantes e representativas organizações, defendendo a formação de uma Frente Ampla, com desdobramentos programáticos para enfrentar a atual crise e, até mesmo, com a possibilidade de construção conjunta de candidaturas eleitorais. Por isso mesmo, os defensores da Frente Ampla, ou democrática, como costuma ser denominada, não admitem que seja apenas uma unidade de ação e querem investir energias na sua construção como principal polo organizador da unidade.

Por sua vez, uma Frente Popular não pode ser uma mera articulação de cúpula, embora seja essa a primeira fase que se vivencia no esforço de sua construção. Ela precisa se enraizar, construir trabalhos e iniciativas conjuntas, coordenadas, e ter como objetivo a formulação de uma estratégia mínima unitária e, consequentemente, de um programa.

Uma Frente Popular não pode ser uma mera articulação de cúpula, embora seja essa a primeira fase que se vivencia no esforço de sua construção. Ela precisa se enraizar, construir trabalhos e iniciativas conjuntas, coordenadas.

Seu objetivo deve ser explicito. Buscar recompor a representação política do proletariado, com a classe média, a pequena burguesia, os camponeses e as chamadas massas marginais. Isso deve se traduzir em seu programa, em suas mensagens, em suas ações.

Por isso não se pode admitir ambiguidade nessa definição. Devemos construir a unidade de ação ampla com todos que lutam contra Bolsonaro, mas considerar isso uma frente política gera confusão, deseduca e nos leva a reboque das lideranças burguesas. Tudo o que não podemos fazer no atual momento.

*Ricardo Gebrim é advogado e membro da Direção Nacional da Consulta Popular.

Edição: Camila Maciel