"O fenômeno da música pesada parece cada vez mais se reinventar"
A música pesada feita no estado de Pernambuco não pode ser colocada em uma caixa. Essa afirmação é feita pelo jornalista e músico Wilfred Gadelha, autor do livro e documentário "Pesado - que som é esse que vem de Pernambuco." Ao pesquisar estilos como metal, punk e grunge, Wilfred Gadelha nos provoca a delinear um cena cultural da música pesada que é influenciada e influencia os mais diversos ritmos musicais que podemos imaginar.
Em 1976, Alceu Valença compôs Sol e Chuva, ainda no quarto disco da carreira dele. Trinta e quatro anos depois a banda de metal Hanagorik fez uma releitura de Sol Chuva sob o sugestivo título do seu quinto disco “Alceu ao nosso jeito”.
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Formada na cidade de Surubim, terra de Capiba e Chacrinha, a banda Hanagorik tem mais de trinta anos de existência, sendo reconhecida tanto na cena do metal do agreste pernambucano quanto em várias cenas européias.
Wilfred Gadelha questiona o imaginário da música pesada com uma espécie de purismo, seja sonoro ou ideológico. Na dimensão gringa, ele lembra que a gênese do metal inclui jazz e blues, como o próprio repertório do início do Black Sabbath. No espaço local, um dos destaques é a banda Ave Sangria, que já experimentava a mistura de som que incluía o estilo mais pesado. O fenômeno das misturas permanece nítido na documentação feita por Wilfred Gadelha, destacando, por exemplo, o movimento manguebeat como uma das influências mais presentes na cena contemporânea.
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“Por conta, eu acredito numa teoria que discutimos tanto no livro quanto do filme, pelo ambiente em que vivemos. É um ambiente em que a música regional está perpassando tudo. Então temos os festejos populares que são muito fortes, como o Carnaval e o São João, e por mais headbanger que você seja, por mais preto que você use, você não consegue escapar”, analisa.
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Ou seja, é dessa forma que a música pesada pernambucana junta frevo ou forró entre os riffs mais pesados. Mas para além do som, Wilfred destaca também a diversidade de visões de mundo entre quem gosta de música pesada. Ele discorda de uma visão estereotipada da cena do metal mundial alheia às questões sociais e políticas, ou ainda, restrita aos ideais conservadores.
O jornalista ressalta que há uma lista imensa de bandas escancaradamente de esquerda, como Napalm Death e Ratos de Porão. No cenário pernambucano, vale também destacar a presença de coletivos feministas em bandas formadas por mulheres e as relações de algumas bandas com movimentos comunitários nas periferias. Na avaliação de Wilfred, o imaginário de ideias conservadoras e fascistas da música pesada se deve ao fato das histórias geralmente não serem contadas de forma completa, ou apegadas a estigmas que acabam construindo inverdades.
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“Porque é um estilo de som que as pessoas não entendem, que existem vários estereótipos que foram criados, às vezes pelas próprias bandas, pelas próprias cenas, mas que são explorados de outras maneiras. E de maneira muitas vezes pejorativa pela grande mídia. Por exemplo, a gente pode lembrar de tantos processos que algumas bandas como Judas Priest e Slayer por conta de jovens que se suicidaram e que 'a culpa é do heavy metal'. É triste quando a gente vê que acontece um massacre daquele tiroteio nos Estados Unidos e vão procurar saber se o moleque curtia heavy metal. Não vão saber se os moleques foram abusados quando eram crianças, qual é o passado dele e em que condições foram criados”, pontua.
Wilfred escuta música pesada desde 1986 e diz que ouviu diversas vezes que o estilo estava acabando. Assim, como a sonoridade, o fenômeno da música pesada parece cada vez mais se reinventar sempre que tentam jogá-lo na lata do lixo. Aliás, trash metal é uma das infinidades de subgêneros do estilo. Entre acordes e melodias, parece não existir limites quando o Angra preta homenagem a Luiz Gonzaga ou quando Zé Ramalho homenageia Ozzy Osbourne.
Edição: Lucas Weber