Incerteza

Sem incentivo, pandemia intensifica dificuldades entre micro e pequenas empresas

Setor está descapitalizado, sem apoio suficiente para o período de isolamento social e enfrenta queda no consumo

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Incertezas, consumo em queda e risco de falência rondam o setor durante a pandemia - Max Haack/Secom Governo da Bahia/ Fotos Públicas

“Eu, realmente, conheço vários empresários que estão na ativa há uns 15 anos e vão ter que fechar as portas”, a frase da designer de acessórios carioca Mariana Nogueira, de certa forma resume a situação dos micro e pequenos emprsários (MPEs) e dos microempreendedores individuais (MEIs) brasileiros frente às consequências da pandemia do coronavírus.

Não é para menos. As categorias enfrentam a crise já desgastadas por dificuldades anteriores. Com entraves no acesso ao crédito, encaravam também brasileiros mais endividados, com menos poder de investimento e gastando mais com dívidas. 

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De acordo com a pesquisa “O impacto da pandemia do coronavírus nos pequenos negócios”, realizada pelo Sebrae no início de abril, 73% dos entrevistados disseram que a situação antes da pandemia estava em patamares ruins ou razoáveis.

Após a chegada do coronavírus ao Brasil, os resultados negativos se intensificaram. Cerca de 62% dos empreendedores interromperam as atividades temporariamente ou em definitivo. Quase 88% deles viram seu faturamento cair em média 75%. 

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A afirmação de Mariana, que abre esta matéria, se complementa com as conclusões do colega, Tomás Marchioro, que tem uma distribuidora de vinhos em Santa Catarina há dez anos.

“Mais para a frente, a gente não sabe como vai estar.”. Ele se refere aos receios dos empresários para a tomada de crédito frente a tantas incertezas. O Sebrae havia identificado melhora no acesso ao crédito em 2019, após anos de dificuldades e as expectativas eram boas, mesmo que frente a um cenário que vinha se deteriorando. 

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A Sondagem Conjuntural do Sebrae de 2019 mostrou que, após quedas sucessivas,  houve crescimento de 4 pontos percentuais no índice de empresários que buscaram empréstimos ou financiamentos.

O período de boas perspectivas, no entanto, durou pouco.  Um estudo divulgado em maio, feito em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostrou que mais da metade das MPEs não conseguiu os empréstimos solicitados. Entre os MEIs esse índice é de quase 70%.

Em mais de 25% dos casos a justifica foi a falta de pagamento de débitos anteriores.  A falta de garantias e a burocracia também foram citadas. Segundo o gerente de Capitalização e Serviços Financeiros do Sebrae, Márcio Augusto Montella, é preciso identificar como contornar esses entraves. Ele ressalta que os bancos precisam adaptar as linhas de crédito ao período da pandemia. 

"No momento em que nós estamos, todas as 153 linhas de crédito que existem atenderiam as necessidades do pequeno empresário?  Vamos fazer a seguinte análise: ele não está faturando agora, se eu der um capital de giro agora em junho e a primeira parcela vence em julho, ele teria renda para pagar? Muito difícil. Porque ele está vendendo menos ou está vendendo muito pouco. Essas linhas também precisariam ser ajustadas, com uma carência de nove a doze meses, que já teria o tempo de ele voltar a operar. É importante esse tempo para que ele tenha possibilidade de recuperar o seu ritmo normal de atividade econômica. O prazo de operação também não pode ser um prazo curto. Não adianta fazer uma linha com um ano, porque em um ano ele vai estar praticamente voltando à sua atividade normal".

Montella reforça que o problema do empreendedor brasileiro não está só no acesso ao crédito. As soluções precisam vir também para outras frentes, com auxílio, orientação e formação que capacitem os micro, pequenos e médios empresários. 

Não adianta nada o mercado ter taxa de juros compatíveis, garantias e ser rápido no crédito, se a capacidade de gestão está ruim. Ele vai ter o dinheiro, mas não vai ter condições de enfrentar as adversidades do mercado 

Incertezas na prática

Entre os empreendedores, a percepção de que as coisas podem piorar ainda persiste. O empresário Tomás Marchioro, relembra outras crises encaradas por seu negócio, mas diz que a pandemia trouxe um susto ao setor.

No caso dele, havia a preocupação com o pagamento de créditos adquiridos para o enfrentamento de outro momento de instabilidade, em 2017. Ao tentar uma alternativa para quitar essa dívida, ele notou que os juros bancários não acompanhavam a diminuição da Selic. 

Para enfrentar o momento, o comerciante tem se dedicado mais ao consumidor final e ressalta a importância de medidas que garantam renda à população.

“Quem tem investido no consumidor final tem saído na frente. Hoje em dia não dá para vender só para o comércio, para o atacado. As pessoas estão saindo menos. A gente sente a falta de uma pulverização desse investimento para pessoa física, para que ela consiga manter seu nível de compra um pouco.”

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Mariana Nogueira tem sua marca própria há quinze anos e, inicialmente, fornecia acessórios para outras lojas.  Antes da pandemia, ela já havia iniciado o movimento de buscar o consumidor final como foco, mas a atividade ainda representava pouco de seu orçamento. Com o comércio fechado e estoques parados, as lojas pararam de adquirir produtos.

A empreendedora deu férias e pausou temporariamente as atividades da única funcionária que mantinha e suspendeu os trabalhos com todos os fornecedores e prestadores de serviço.

“Estou desde o início da pandemia sem receber nada de todos os meus clientes. Todo mundo pediu para aguardar. Ninguém conseguiu auxílio do governo, nem as marcas pequenas, nem as maiores. E é uma bola de neve. Se não me pagam, eu não tenho como pagar as pessoas” .

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Dar condições a toda a rede de consumo, é um caminho apontado como essencial pelo economista Daniel Negreiros Conceição, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR)  da Universidade federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Você tem colapso da renda dos consumidores. As pessoas não estão mais desenvolvendo atividades, estão sem renda e não podem mais continuar comprando. Por isso é tão importante o auxílio emergencial como forma inclusive de ajudar as empresas. Porque agora elas têm para quem vender. A produção essencial também precisa ser mantida por meio do auxílio emergencial.” 

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Solução Insuficiente

Uma Medida Provisória publicada na primeira semana de junho institui o Programa Emergencial de Acesso a Crédito. Com ele, o governo espera facilitar o acesso a crédito disponibilizando garantias.  O texto autoriza a União a aumentar em até R$ 20 bilhões a sua participação no Fundo Garantidor para Investimentos (FGI), administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). 

Daniel Negreiros Conceição aponta que a proposta traz algum tipo de fundo garantidor, mas na prática as escolhas continuam sendo feitas pelas instituições financeiras. 

“Dificilmente você tem como obrigar que uma instituição financeira privada ajude a economia a superar uma situação de caos que a gente está vivendo (...) O problema de esperar que a solução venha do crédito privado é achar que o banco privado vai abrir mão de resultados e de práticas responsáveis, do ponto de vista da preservação de sua saúde financeira em busca de melhorias econômicas. A não ser que o risco pudesse ser muito claramente absorvido pelo governo – o que não é – o banco privado não vai atuar para expandir o crédito se esse crédito não for associado a iniciativas, empreendimentos e gastos que possam sugerir que os pagamentos depois vão ser realizados.”

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Ele lembra que o setor privado já estava muito esgotado financeiramente e empresas perderam receita. Com as contas já desgastadas, o empreendedor não tem como se endividar mais. Na opinião do economista, mesmo a prerrogativa de prazos maiores não é suficiente.

“Você está aumentando o passivo de uma empresa, em um momento em que ela está sem receita. Se a gente espera que isso permita que as empresas sobrevivam para que depois da pandemia as coisas voltem ao normal, pelo contrário. Você vai ter empresas que, se não quebraram, estarão super endividadas", afirma.

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Num cenário que o economista descreve como “ o maior buraco econômico que já tivemos nos últimos 100 anos”, o governo precisa seguir exemplos que já estão dando resultados em outros países: assumir despesas das empresas, como pagamentos de salários, aluguel e outras ações mais diretas.  

“Se o governo quiser aumentar crédito, ele vai ter que fazer isso diretamente. Usando  BNDES ou usando os bancos públicos, como a gente viu no passado. Mesmo isso eu não considero suficiente, porque as empresas não vão resolver sua situação se endividando mais (...) A solução tem que vir de quem pode arcar com a perda. Governo Federal, Tesouro e Banco Central  tem a capacidade plena de nos salvar. Mas para isso a gente tem que parar de achar que o governo não tem dinheiro para nos ajudar. Tem gente falando em ajuste fiscal depois da pandemia, quando a economia vai estar em depressão!”  

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Olhando novamente para os números do Sebrae, as percepções do economista têm ainda mais embasamento.  Desde o início das medidas de isolamento, apenas 14%  dos micro, pequenos e médios empreendedores que que solicitaram crédito tiveram sucesso.

70,3% das MPEs  e 53,3% dos MEIs estão endividados ou pediram empréstimos. No primeiro grupo, mais de 35% estão com os compromissos em atraso e no segundo esse índice ultrapassa 20%. 
 

Edição: Leandro Melito