Alvo de manifestações contrárias por parte de governistas, o inquérito instaurado no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar notícias falsas e ataques a ministros da Corte terá sua legalidade julgada nesta quarta-feira (10), no plenário do Tribunal.
No entendimento de especialistas, a tendência é que os ministros do STF se posicionem contra o arquivamento do caso, no julgamento da ação em que a Rede Sustentabilidade pede a interrupção das investigações por irregularidades na tramitação.
Para Tânia Maria de Oliveira, advogada e integrante da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), a decisão é uma forma de fortalecer a própria instituição, além de prestar apoio ao ministro Alexandre de Moraes, hoje o principal alvo dos ataques bolsonaristas nas redes, por ser o relator e estar na condução do inquérito.
“A possibilidade de nulidade do inquérito, ou mesmo de suspensão, é muito pequena. Eu diria muito improvável mesmo. Porque hoje existe de fato uma série de ataques proferidos contra o Supremo Tribunal Federal, ampliado nas redes sociais, por aquelas pessoas que são desde o início investigadas e por outras pessoas que surgiram no curso do inquérito. Há um grande ataque a diversos ministros daquela corte, que coloca os onze no mesmo campo, de defender a institucionalidade, defender as prerrogativas, de defender até os princípios democráticos de existência do STF”, explica a jurista.
Há um grande ataque a diversos ministros daquela corte, que coloca os onze no mesmo campo.
Liberdade de expressão?
Há duas semanas, Moraes – indicado por Michel Temer ao STF – determinou uma operação de busca e apreensão contra ativistas, parlamentares e empresários bolsonaristas, entre eles o blogueiro Allan dos Santos, a liderança do movimento “300 do Brasil”, Sara Winter, e Luciano Hang, dono da Havan e apontado como um dos financiadores dos disparos em massa desde as eleições de 2018.
A ação conduzida pela Polícia Federal em 17 endereços foi considerada abusiva pelo governo federal, o que deixou ainda mais turbulenta a relação do planalto com a suprema corte.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, chegou a se manifestar pela suspensão do inquérito, questionando o fato dele ter sido aberto pelo próprio STF, com base em seu Regimento Interno, e sem a participação do Ministério Público Federal (MPF) - que tem a atribuição para propor ações penais.
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Indicado por Jair Bolsonaro para o cargo e cotado pelo presidente para uma vaga no STF, Aras voltou atrás e defendeu a continuidade das investigações por meio de memorial enviado a suprema corte, na semana passada. No documento, o procurador pede a "participação constante" da PGR em todas as etapas das investigações.
Quanto ao teor das declarações dos investigados, o procurador vem fazendo coro a Bolsonaro ao afirmar que apesar de "incisivo", o conteúdo investigado não deve ser confundido com "prática de calúnias, injúrias ou difamações contra os membros do STF", pois são “visões de mundo”, que devem ser protegidas pela “liberdade de expressão".
Liberdade de expressão não é liberdade de opressão, e tampouco liberdade de mentira.
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL) contesta a opinião do procurador. Para a parlamentar, a “quadrilha” dissemina desinformação e foi decisiva no processo eleitoral que elegeu Bolsonaro, em 2018. Além disso, o grupo vem dificultando a vida do povo brasileiro no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus – que já resultou em mais de 38 mil mortes.
“A extrema direita adora dizer que isso é um ataque à liberdade de expressão. Não! Liberdade de expressão não é liberdade de opressão, e tampouco liberdade de mentira. Não é só que as mentiras acabam com reputações, que tenham difamações graves, ou que tenham coisas absurdas como a ‘mamadeira de piroca’, mas essas fábricas de fake news tem matado gente no Brasil, sobretudo com a narrativa que eles fazem da covid-19”, afirma Melchionna.
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A líder da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados diz que não há qualquer “ilusão” de que as mudanças de que o Brasil precisa sairão do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, mas afirma que defender as instituições nesse momento é respeitar as liberdades democráticas que ainda restam à população brasileira.
“Eles restringem as liberdades democráticas e atacam inclusive o Supremo e o Congresso para inviabilizar também a auto-organização do povo, a possibilidade de lutar por salário, por terra, por emprego, porque eles têm uma ideia que é manter a ditadura do capital”, aponta.
Cassação da chapa Bolsonaro-Mourão
Recentemente, Jair Bolsonaro chegou a pedir ao Tribunal Superior Eleitoral que não inclua o conteúdo do inquérito das fake news na ação que investiga irregularidades em sua campanha eleitoral, em 2018.
Nesta terça-feira (9), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) voltou a julgar duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) que pedem a cassação do presidente Jair Bolsonaro e de seu vice, o general Hamilton Mourão, por fraudes na campanha de 2018. A sessão foi suspensa após pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes. Outras seis ações também pedem a cassação da chapa vencedora e não têm previsão para serem julgadas pelo TSE.
Antes disso, o presidente já havia defendido publicamente o arquivamento do inquérito no STF, após a Polícia Federal ter apontado seu filho Carlos Bolsonaro, como um dos articuladores da rede de disparos - o que culminou na saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil.
“O presidente da República já se adiantou num ato claro de confissão. Ele já foi aos processos pedindo que as provas que estão sendo apuradas nestes inquérito do STF não sejam utilizadas nas ações que apuram questões eleitorais de 2018, ou seja, é obviamente uma confissão de que todas essas questões estão relacionadas e que têm por trás as mesmas pessoas e os mesmos grupos”, afirma Flávia Lefèvre, advogada e membra do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes).
Para ela, que foi conselheira e representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet (CGI) até o mês passado, a disseminação das fake news são facilitadas pela dificuldade dos brasileiros em confirmar a veracidade das informações que recebem.
“A gente tem 70 milhões de brasileiros que têm um acesso à internet limitado em planos de franquia, com uma quantidade de dados a ser navegado por mês muito baixa. Quando termina a quantidade de dados, ela vai acessar apenas o whatsapp e o facebook. Então são pessoas que tem uma dificuldade muito grande de checar as informações. Elas ficam limitadas aquela informação que recebeu ali”, explica a especialista, com base no levantamento do Comitê, que monitora há 15 anos a desigualdade digital no brasil por meio do Cetic.br.
“Ainda no impeachment da presidenta Dilma, na condução da Lava Jato, quer dizer, a gente tem um processo aí de uso da internet e de desinformação vindo de longa data, que vem se avolumando e causando cada vez mais problemas”, finaliza.
Edição: Rodrigo Chagas