O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha, recolocou o pastor evangélico Ricardo Lopes Dias no cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai), em decisão proferida na terça-feira (9).
Noronha suspendeu liminar concedida pelo Tribunal Federal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em 21 de maio, que anulava a nomeação de Dias por ilegalidade no processo e por considerá-lo uma ameaça aos povos indígenas isolados.
Na ocasião, o desembargador Antonio Souza Prudente, do TRF-1, considerou que o líder religioso se utilizou do cargo para violar direitos dos povos indígenas e colocar em "grave risco" a política brasileira de não forçar o contato com povos em isolamento voluntário.
O presidente do STJ, no entanto, discordou ao avaliar que a nomeação cumpriu requisitos internos e que a atuação de Dias Lopes não permite concluir que existe conflito de interesses com as atribuições do cargo. Para o ministro, não “há fato sério e comprovado” para a interferência do Judiciário no órgão governamental.
Vai contra tudo o que foi construído até agora, e o pior, para agradar missionários fundamentalistas que nunca demonstraram nenhum compromisso com esses povos.
Diante a decisão, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), maior reserva de indígenas isolados do mundo, afirma que vai recorrer. Segundo Beto Marubo, representante da organização, a recondução de Dias ao cargo gera graves riscos às comunidades.
“Esse processo foi decidido em detrimento ao direito fundamental desses povos. Devido a isso, nós, da Univaja, vamos recorrer. Sensibilizar as outras instâncias do poder judiciário e demonstrar que isso é nefasto, isso é ruim tanto quanto a pandemia que, hoje, ameaça a vida desses povos indígenas.
Marubo afirma estar muito triste com a decisão do STJ, que se alinha a interesses puramente políticos do presidente da Funai, Marcelo Xavier.
“Todas as mudanças que aconteceram e que vêm causando esses questionamentos jurídicos foi devido a uma decisão irresponsável do presidente da Funai de conciliar interesse político com direitos fundamentais dos isolados”, diz o indígena. “[A decisão] vai contra tudo o que foi construído até agora, e o pior, para agradar missionários fundamentalistas que nunca demonstraram nenhum compromisso com esses povos”.
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Atuação
Segundo lideranças indígenas, Lopes Dias atua para fazer contatos forçados e evangelizar povos isolados. Em documentos obtidos pelo MPF, por exemplo, utiliza-se o termo “finalizar a missão” para designar o que os missionários dizem ser uma “comissão” dada por Jesus Cristo em trecho da Bíblia, e que “obriga evangélicos a promoverem a conversão de povos indígenas em todo o planeta”.
Ele também teria convidado lideranças indígenas do Vale do Javari para assumir cargos no órgão agora dirigido por ele. Fontes ligadas à Funai informaram que o missionário chegou a oferecer a Coordenação Regional do órgão em Atalaia do Norte (AM) para indígenas do Vale do Javari, entre outros cargos.
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Helicóptero para a evangelização
A Missão Novas Tribos do Brasil, entidade que atua com o intuito de evangelizar os povos indígenas no território nacional e para a qual Ricardo Lopes Dias presta serviços, adquiriu um helicóptero R66, que custa R$ 4 milhões, para facilitar o traslado dos missionários até as aldeias.
De acordo com o El Pais, o missionário Edward Luz, da Missão Novas Tribos do Brasil, comemorou a compra em um vídeo enviada para fiéis que trabalham na entidade.
“Nós estamos vivendo um momento muito especial nesses dias, quando única e exclusivamente, pela graça e bondade do Senhor, Ele nos supriu com um helicóptero Robinson 66 que será usado no Acre, precisamente na cidade de Cruzeiro do Sul. Um helicóptero que nos ajudará em todo o processo de chegar com mais facilidade nas aldeias onde não há pista de pouso", afirma Luz no vídeo.
Edição: Rodrigo Chagas