A crise econômica e social decorrente da pandemia do novo coronavírus leva a interpretação dos modelos de economia e de comportamento da sociedade de consumo a um paradoxo.
De um lado, a crise aguda trazida pela covid-19 pode ajudar os defensores modelo capitalista a encontrar um bode expiatório para o fracasso do sistema. De outro, a incapacidade do mundo capitalista de prever os estragos da pandemia, na vida e nas economias, e a ausência de prognósticos para o pós-pandemia, escancaram o mal crônico: quem está doente é o modelo.
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Refletir sobre esse paradoxo e disputar a narrativa contra os que querem sair da crise voltando ao estado anterior é uma das propostas do livro “Socialismo como alternativa aos dilemas da humanidade: textos de Fernando Martínez Heredia”, destaque do Clube do Livro deste mês da editora Expressão Popular. A obra, organizada por Olivia Carolino e Ronaldo Pagotto lança luz aos estudos de um dos autores mais importantes da revolução latino americana.
“É um livro panorâmico de apresentação das principais ideias e debates que o Fernando [Heredia] fez sobre problemas comuns a nós. O livro todo é voltado para esses problemas e apresenta o socialismo como uma perspectiva, como um caminho para enfrentar os graves problemas e os dilemas da humanidade nesse tempo histórico, de um capitalismo em crise profunda e que os povos precisam de alternativas, em que as classes dominantes do mundo são profundamente arrogantes a respeito das alternativas, dizem não ter alternativa. Com um livro como esse queremos ajudar a retomar sobre uma estratégia de mudança profunda”, declara advogado e integrante da Consulta Popular, Ronaldo Pagotto.
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Socialismo latino-americano
Filósofo, professor e militante, Heredia nasceu em 1939, participou ativamente do processo da Revolução Cubana e produziu pensamentos desde os escombros da queda do Muro de Berlim e do leste europeu, que mantiveram e mantêm no centro do debate a questão do socialismo no século XXI. Faleceu em 2017.
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Profundo estudioso do conjunto de concepções elaboradas por Karl Marx, Friedrich Engels, Rosa Luxemburgo e Antonio Gramsci, não se debruçou apenas sobre a teoria marxista, mas também sobre a aplicação e particularidades da América Latina para desenvolver pensamento do marxismo latino americano “original”, como definiu Pagotto, que foge do eurocentrismo absoluto do marxismo e ao mesmo tempo não nega a teoria.
“O Fernando é um autor que conseguiu conjugar as duas coisas. Ele foi um vigoroso estudioso do marxismo europeu, ao mesmo tempo ele produziu síntese e elaboração originais, que não furam a reinvenção de tudo. Ele dizia, ‘É preciso estudar o marxismo com rigor, mas é preciso aplicar o marximo com originalidade e criatividade’”, explica o organizador do livro.
Pagotto foi um dos alunos de Heredia na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP), durante uma das suas formações políticas para movimentos populares em diversos países da América Latina. Momentos onde produziu boa parte dos textos selecionados na obra.
Lutas
Entre os temas abordados as lutas pela transformação da sociedade remontam à própria história da humanidade. Tais como a ofensiva imperialista, a necessidade de pensar – e de fazer – a política para além dos limites do capitalismo, a urgência da libertação dos povos americanos, o esforço para combater a cultura do capital e criar uma nova cultura, a necessidade de construção do socialismo como alternativa aos dilemas da humanidade.
Um dos destaques apontados por Pagotto é a necessidade da luta ideológica, desde os fatos da realidade, como a imprensa, as profundezas de uma visão de mundo, de uma percepção cultural.
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“O Fernando foi um combatente e expoente dessa necessidade. Então ele diz muito claramente do que esse livro trata: o capitalismo domina com ideias, ideias muito fortes, ideias que naturalizam os problemas, que fazem os problemas profundos do capitalismo se tornarem imutáveis. Então enfrentar essas ideias muito fortes é um dos desafios que ele se colocou em vida, ele foi um combatente disso”, aponta ele.
Colonialismo
Um outro ponto da obra é o “colonialismo do mundo atual”, em que o autor trata como uma ideia não superada pela América Latina, não só do ponto de vista da exploração, aquela relação formal entre uma metrópole e uma colônia, mas nas dimensões políticas, econômicas, tecnológicas e as suas dimensões culturais.
“O Fernando atualiza o debate sobre o colonialismo e esse debate é da vida real das pessoas porque nós estamos num país desacreditado de uma alternativa que não seja fornecer matéria prima, grãos e proteína. Ele tem um artigo sobre o fascismo e o colonialismo, outro artigo bem importante tratando do fascismo como um fenômeno da crise do capitalismo que é uma coisa que nós estamos vivendo claramente no mundo, na América Latina em particular e no Brasil em específico. E aponta saídas e caminhos”, ressalta Pagotto.
Tudo isso com um diálogo “muito simples”, segundo o organizador da obra, em que os textos são práticos e não partem só de reflexão acadêmica.
“É um livro pretensioso, porque, ao mesmo tempo, tem essa proposta de apresentar um campo do marxismo muito rico e original criativo e ao mesmo tempo um marxismo que é vivo também em alimentar que o socialismo é um caminho para enfrentar os problemas da humanidade”, expressa Pagotto.
Para participar do Clube do Livro e receber essa e outras obras mensalmente, acesse o site da editora Expressão Popular.
Edição: Leandro Melito