Águas místicas

Serpente da Ilha do Fogo, Nego D'agua, duendes e lobisomens: as lendas do Velho Chico

As histórias continuam sendo contadas de muitas outras formas

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A defesa do São Francisco pode ser vista pela ótica das lendas e mitos
A defesa do São Francisco pode ser vista pela ótica das lendas e mitos - Vinícius Sobreira
As histórias continuam sendo contadas de muitas outras formas

São quase três mil quilômetros do principal curso d’água que corta o semiárido brasileiro. Historicamente, o Rio São Francisco está no fluxo da sobrevivência e até do amor da população que vive em seu entorno. Poesias, músicas, esculturas, contos e lendas são algumas das forma de se expressar a afetividade com o Velho Chico. 

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Antes da chegada dos colonizadores, o curso de água que nasce em Minas Gerais e deságua no oceano, entre Alagoas e Sergipe, era chamado como Opará, ressaltando as dimensões de um rio que parece um mar, na língua Tupi-guarani. O batismo com nome do santo católico foi dado por Américo Vespúcio, em 04 de outubro de 1501, dia de São Francisco.  

Entre as populações que acompanham esse “caminho de água doce” exclusivamente brasileiro, muitas histórias foram e continuam sendo contadas. A pescadora Maria Alice Borges mora em Juazeiro, no sertão baiano, e guarda a memória da época em que a bisavó dela contava histórias no terreiro da casa, juntando familiares e vizinhos.  

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“As histórias que mais saíam era Nego D’água e Mãe D’água. Tinha um tio da gente também que contava histórias. Nossa era um tempo muito gostoso quando eles sentavam todos para contar as histórias. Com isso, o dia amanhecia e a gente dormia ali na porta. Quando era de manhã o que restava era só a gente retirar as esteirinhas e botar dentro de casa, e viver as coisas do dia e esperar de novo o anoitecer, para mais uma vez a gente dormir fora e tudo acontecer de novo”, recorda. 


Alice trabalha no Velho no Chico e adora tomar banho no rio. / Foto: Arquivo pessoal

As histórias continuam sendo contadas de muitas outras formas. Entre familiares ou formas artísticas, além de pesquisas sobre mitos e lendas do Velho Chico. Por exemplo, ainda hoje há estrelas desenhadas no fundo de embarcações nas imediações Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia. O motivo é para evitar um ataque da figura do Nego D’água, que pode se sentir atraído por mulheres que estejam no barco. 

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Além disso, são populares também as figuras do Serpente da Ilha do Fogo, Lobisomem e Duende. As proas das embarcações também carregam as famosas carrancas como forma de afastar maus espíritos. É possível também olhar para essas crenças como forma de preservar o Velho Chico. A Mãe D’água, por exemplo, é uma crença que reflete o equilíbrio ambiental e social do curso d’água. 

Foi assim que surgiu a Trupe Novo Ato Contadores de Histórias, em Juazeiro. A iniciativa começou buscando espaços nas escolas dos bairros e hoje é uma referência entre ao juntar lendas e preservação ambiental. Além disso, as crenças do Velho abrem um dinâmica nas histórias, renovando contextos, mas mantendo o sentido de preservação, como afirma o professor William Soares, integrante da trupe.


William integra a Trupe Novo Ato. / Foto: Arquivo pessoal

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“Sempre trazendo essa reflexão do cuidado com o rio. Temos a figura do Nego D’água, então o Nego D’água se via sem água, e, de repente, há alguns anos, aqui estava realmente seco. Então além da arte da contação da palavra, dialogamos com os artistas da região, que trazem a música que faz refletir”, explica.  

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Por meio das lendas e dos mitos, a pescadora Maria Alice Borges permanece dando exemplos e compartilhando histórias para preservação do Velho Chico. Ela luta contra a contaminação causada por pela produção feita com agrotóxicos. William Soares continua utilizando a arte para agir pelo Velho Chico. Ao mesmo tempo, William se fortalece na lembrança da avó dele, Dona Benedita Soares, que sempre falou que Velho Chico nunca vai morrer. 

Edição: Lucas Weber