Dificuldade de acesso aos dados, pouca coordenação entre os órgãos federal, estadual e municipal para criação de uma plataforma única de controle da evolução da doença entre os povos indígenas e disparidade entre as informações de diferentes fontes. Esses são os principais problemas apontados pela Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP) diante da pandemia de coronavírus. Segundo a entidade, o estado possui mais de 300 casos positivos entre os índios e sete mortes. Os dados do Ministério da Saúde, porém, contabilizam apenas 163 casos na região Sul, Rio de Janeiro e São Paulo.
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A subnotificação ocorre também pela exclusão da população indígena que vive em cidades das estatísticas. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) só monitora os casos registrados em Terras Indígenas. Isso é especialmente crítico no estado de São Paulo, onde 91% da população vivem em centros urbanos (41 mil pessoas).
Não é porque a pessoa mora na cidade ou não está na sua aldeia que deixa de ser índio.
Na avaliação de Eriki Miller Terena, da coordenação do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, a Sesai atua com um grande racismo institucional por desconsiderar indígenas em contexto urbano e indígenas desaldeados na sua sistematização.
“Não é porque a pessoa mora na cidade ou não está na sua aldeia que deixa de ser índio. Muitos de nós temos que estudar, trabalhar fora da aldeia e alcançar outras perspectivas até porque somos humanos como todos os outros”, explica.
O Boletim Epidemiológico da Sesai do Ministério da Saúde não categoriza os dados por povo indígena ou por Unidade da Federação. As ocorrências são agregadas pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei). Assim, não são apresentadas informações específicas sobre a situação dos povos indígenas em São Paulo, que aparecem em dois Dsei (Litoral Sul e Interior Sul) que abrangem também o Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul.
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No entanto, somente na capital, de acordo com os dados levantados pela CPI-SP, seriam 316 casos confirmados. A Comissão recebeu relatos da existência de 63 casos na aldeia Pyau, na Terra Indígena Jaraguá, localizada na região metropolitana de São Paulo, onde vivem 573 Guarani em seis aldeias.
Segundo o Centro de Trabalho Indigenista, no começo de junho, esse número teria saltado para 77. Na Terra Indígena Tenondé Porã, o aumento foi ainda mais expressivo e os casos saltaram de 75, no começo de maio, para 239, em junho. Esse número representa cerca de 20% da população estimada em toda a terra indígena. Somem-se a esses os três casos entre os Tupi-Guarani na Terra Indígena Piaçaguera, no litoral sul de São Paulo.
Diante dos problemas de contabilização do avanço da covid-19, que tem se dado de forma expressiva entre os povos indígenas, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) realiza um monitoramento paralelo ao do governo. Por meio da plataforma Quarentena Indígena, os dados são atualizados semanalmente em um esforço conjunto de várias organizações indígenas.
Agravantes
Além da subnotificação, os Boletins Epidemiológicos da Sesai não trazem informações sobre o nome, a idade e a qual povo pertence o indígena contaminado. Ana Lúcia Pontes, coordenadora do Grupo Técnico de Saúde Indígena (GTSI) da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), alerta que não é apenas a dimensão quantitativa numérica que importa. É preciso considerar o impacto de memória social, coletiva, ancestral. “Temos muitos grupos indígenas com uma população pequena e que o risco de genocídio é real, no sentido que memórias, tradições, bibliotecas humanas que podem falecer nesse processo”.
É uma população que depende dos auxílios sociais e da compra de alimento em centros urbanos.
Outro fator que preocupa e torna a população indígena ainda mais vulnerável à covid-19 em São Paulo é a insegurança alimentar, já que a grande maioria vive em territórios onde não é possível assegurar a produção de alimento. “É uma população que depende dos auxílios sociais e da compra de alimento em centros urbanos. Por uma questão de sobrevivência, é uma população exposta ao risco de transmissão da covid-19 em um dos primeiros epicentros de pandemia no Brasil, a cidade de São Paulo”, reforça Ana Lúcia Pontes.
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O médico sanitarista, Douglas Rodrigues, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) avalia que os povos indígenas estão entre os grupos mais vulneráveis. Ele aponta que os indicadores de saúde dos índios continuam duas a três vezes piores que os do não-índios, dos brasileiros como um todo. E acrescenta que em São Paulo, como no Sul e no Nordeste, as aldeias estão mais próximas dos centros urbanos “muitas vezes, o vai e vem é cotidiano, muitos trabalham, têm empregos. O risco de contágio é maior”.
Dados
Em São Paulo, estado brasileiro que acumula o maior número de casos e mortes, vivem cerca de 5 mil índios em Terras Indígenas e mais de 41 mil em cidades. Em 11 de junho, o governo estadual registrava 162.520 mil casos da covid-19 e 10.145 mortes no Estado. Porém, não há dados específicos sobre a evolução dos casos entre os índios em São Paulo tanto na plataforma de monitoramento do governo estadual quanto na do Ministério da Saúde.
Edição: Rodrigo Chagas