Mais de R$ 30 milhões – esse é o valor que a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) gastou em campanhas veiculadas em rádios e TVs de líderes religiosos que apoiam Jair Bolsonaro. Segundo levantamento da Agência Pública, o governo pagou com verba pública ações publicitárias em cinco veículos ligados a pastores de igrejas evangélicas que se reuniram com o presidente no início de junho, em Brasília.
Na ocasião, os líderes se encontraram com Bolsonaro para “interceder pela nação e levantar um clamor pelo Brasil”, como afirmou Silas Malafaia, um dos organizadores do encontro.
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Segundo a reportagem apurou, o valor gasto pela Secom em campanhas nesses veículos equivale a quase 10% de tudo que a secretaria desembolsou desde o início do governo Bolsonaro. Na semana passada, ela foi incorporada ao Ministério das Comunicações, recriado pelo presidente.
Parte do valor gasto cobre os custos das agências de comunicação contratadas pelo governo para desenvolver as campanhas, mas a maioria vai para as próprias redes de TV e rádio, como anúncio publicitário. Segundo a apuração, dos R$ 30 milhões contratados pela Secom, R$ 25,5 foram pagos aos veículos.
A maior parte do valor pago pela Secom foi para campanhas na rádio e TV Record, controlada pelo bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus. A secretaria pagou mais de R$ 28 milhões para campanhas publicitárias veiculadas na rádio e TV da emissora e na Record News.
Desse total, R$ 25,1 milhões foram pagos diretamente aos veículos para custear os anúncios publicitários. O bispo Eduardo Bravo representou Edir Macedo na comitiva que esteve com Bolsonaro no dia 5.
A Secom pagou também cerca de R$ 30 mil em campanhas em emissoras afiliadas à Record. A TV Pajuçara, afiliada em Alagoas, recebeu R$ 12 mil.
Segundo a reportagem apurou, a maioria da verba pública gasta na Record foi para promover a reforma da Previdência. O governo contratou cerca de R$ 11 milhões em ações apenas na emissora de Edir Macedo, cerca de 15% de tudo que a Secom gastou para promover a reforma. A campanha é a mais cara já realizada desde a posse de Bolsonaro, com mais de R$ 70 milhões contratados ao todo.
Além de promover as mudanças na aposentadoria dos brasileiros, a Secom usou verba pública na Record para veicular campanhas de prestação de contas do governo, sobre segurança pública, no combate à violência contra a mulher e ações para divulgar uma imagem favorável do governo federal, como a “Agenda Positiva”.
A reportagem encontrou mais mais de R$ 700 mil gastos pela Secom para veicular a campanha na Record, cerca de 12% de tudo que a secretaria já contratou para a ação, feita para mostrar “como cada ato do governo beneficia diretamente o cidadão e faz mudar seu dia a dia para melhor”.
A Pública havia revelado que o governo já gastou R$ 14,5 milhões com a Agenda Positiva e manteve gastos milionários mesmo durante a pandemia do novo coronavírus.
A reportagem encontrou R$ 510 mil gastos na campanha “Dia da Amazônia” apenas em veiculações na Record. A ação foi anunciada em setembro de 2019, após críticas internacionais sobre queimadas na floresta amazônica.
Segundo o governo, a campanha, que já custa mais de R$ 3,1 milhões, serve para reafirmar “soberania do Brasil em relação ao território” e “mostrar como o Brasil defende e conserva o bioma”.
A Pública questionou a Secom sobre os valores gastos em publicidade em emissoras religiosas, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
Pastor dono de TV e rádio alegou prejuízo financeiro com pandemia
Além do bispo Eduardo Bravo, representante de Edir Macedo, da Universal, outras nove igrejas evangélicas tinham membros presentes no encontro ou foram mencionadas pelos organizadores da comitiva.
Um dos presentes foi o apóstolo Estevam Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo. A igreja é dona da Rede Gospel, uma emissora de TV mantida pela Fundação Evangélica Trindade. Segundo a Pública apurou, a Fundação recebeu R$ 402,7 mil da Secom durante o governo Bolsonaro.
Em abril, no meio da pandemia, a Rede Gospel teria feito demissões em massa alegando dificuldades financeiras por queda de arrecadação dos dízimos e por estar com os templos fechados. Em 2012, o apóstolo Estevam Hernandes e sua esposa, a bispa Sônia Hernandes, foram obrigados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) a devolver R$ 785 mil aos cofres públicos por fazer uso de repasses do Ministério da Educação à Fundação Renascer.
O dinheiro deveria ter sido utilizado para alfabetização de jovens e adultos. O casal foi preso nos Estados Unidos, em 2007, acusado de tentar entrar no país com dinheiro não declarado dentro de uma bíblia.
Outro membro da comitiva, o pastor R. R. Soares (Romildo Ribeiro Soares) está à frente da Igreja Internacional da Graça de Deus e é proprietário de várias empresas de mídia, incluindo editoras, gravadoras e distribuidoras de filmes. Listada como Rádio e Televisão Modelo Paulista, a Nossa TV recebeu R$ 1,5 mil da Secom.
Embora os dados informados pela secretaria levem a um endereço no Rio Grande do Sul – a Nossa TV tem sede no Rio de Janeiro –, o nome de André Bezerra Ribeiro Soares, filho de R. R. Soares, aparece como sócio na consulta do CNPJ no site Brasil.io, que lista dados de empresas brasileiras.
Apesar de não estarem presentes, o pastor Samuel Câmara e o bispo Robson Rodovalho foram citados por Silas Malafaia na transmissão do encontro. Câmara é proprietário da Rede Boas Novas, uma TV aberta com cobertura nacional que tem duas emissoras próprias e quase cem retransmissoras e afiliadas.
A empresa recebeu R$ 472 mil da Secom. Já o bispo Rodovalho comanda a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, mantida pela Fundação Sara Nossa Terra. Durante o governo Bolsonaro, a Secom repassou R$ 741 mil à fundação, cuja estrutura de comunicação inclui a Rede Gênesis, emissora de televisão com abrangência nacional por canais pagos, e a Sara Brasil FM, uma emissora de rádio sediada em Brasília.
“Comitiva de pastores” deve R$ 194 milhões ao governo
As igrejas e veículos de comunicação ligados ao grupo de pastores que se reuniu com Bolsonaro deve mais de R$ 194 milhões em dívidas com a União.
A maior devedora é a Igreja Internacional da Graça de Deus, de R. R. Soares, que sozinha tem uma dívida de mais de R$ 145 milhões. A dívida da igreja com a Receita cresceu no ano passado: eram R$ 127 milhões segundo dados informados anteriormente à Pública, referentes a agosto de 2019.
Além dos R$ 145 milhões em dívidas previdenciárias – valores não pagos referentes a funcionários, como a contribuição patronal ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) –, a editora Graça Artes Gráficas, ligada à igreja, deve mais de R$ 968 mil ao governo.
No Brasil, igrejas acumulam dívidas milionárias com a Receita Federal. De acordo com apuração da Pública, no final de 2019 elas somavam R$ 460 milhões. Mais de 1.200 entidades e grupos religiosos estavam em débito com o governo.
Segundo reportagem do Estadão, em abril o deputado federal David Soares (DEM-SP), filho do missionário R. R. Soares, se reuniu com Bolsonaro e o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, para encontrar “uma solução” para as dívidas tributárias das igrejas.
Em 2019, o governo Bolsonaro havia flexibilizado a prestação de contas de entidades religiosas. Igrejas que arrecadam menos de R$ 4,8 milhões deixaram de precisar enviar dados financeiros à Receita pela Escrituração Contábil Digital (ECD).
Segundo a Pública apurou, igrejas e organizações evangélicas são a maioria entre as entidades religiosas que devem à Receita e juntas acumulam cerca de 80% do total em dívidas. Apesar disso, a arrecadação das instituições religiosas vem crescendo ano após ano, bem como o número de entidades registradas na Receita.
Donos de emissoras católicas prometem “mídia positiva” em troca de anúncios
Encontros do presidente da República com líderes religiosos cristãos se tornaram prática recorrente do governo Bolsonaro. No dia 12 de abril, domingo de Páscoa, o presidente participou de uma live com católicos e evangélicos, incluindo Iris Abravanel, escritora e esposa de Silvio Santos, dono do SBT; o pastor Silas Malafaia, o padre Reginaldo Manzotti; e o deputado federal Marco Feliciano (Republicanos).
O encontro foi transmitido nas redes sociais do presidente e pela TV Brasil, que é uma emissora estatal. A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos contestou o uso da emissora pública na Justiça alegando proselitismo religioso na transmissão.
Durante uma videoconferência no dia 21 de maio, com participação de Bolsonaro, padres que controlam emissoras católicas de rádio e TV ofereceram mídia positiva das medidas de enfrentamento do novo coronavírus em troca de anúncios e outorgas do governo federal.
O caso veio à tona em reportagem do jornal Estadão, que mostrou repasses de R$ 4,6 milhões da Secom para emissoras de TV ligadas a grupos religiosos no ano passado. Após a reportagem, comissões da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirmaram em nota que “não organizaram e não tiveram qualquer envolvimento com a reunião entre o presidente da República Jair Bolsonaro, representantes de algumas emissoras de TV de inspiração católica e alguns parlamentares” e que “a Igreja Católica não faz barganhas”.