"É importantíssimo criar qualquer tipo de frente, mais ampla possível, para tirar Bolsonaro"
O bolsonarismo vive sua maior crise desde a eleição de 2018. Ações na Justiça contra agitadores de sua base, contra aliados e assessores, como Fabrício Queiroz, e uma atuação pífia no combate ao coronavírus, abalam cada vez mais sua credibilidade.
Mas, segundo a socióloga e professora espanhola Esther Solano, que tem pesquisado os fiéis seguidores do presidente e o avanço do conservadorismo desde 2015, parte das ideias pregadas por Bolsonaro, já está enraizada na sociedade.
“Há dois tipos de Bolsonarismo: o mais radical, fascista, que tem uma adesão ao projeto de Bolsonaro que não é só política, é um projeto de vida. E outro, que eu diria que é o majoritário, que não é fascista mas embarcou na ideia de negação da política tradicional, o antipetismo, o antiesquerdismo e a lava jato e que, evidentemente, vão ficar para além do Bolsonaro”.
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Solano é a entrevistada desta semana no programa BDF Entrevista, que vai ao ar todas às sextas-feiras, na Rede TVT e no canal do Youtube do Brasil de Fato.
Na conversa, a professora também aponta que é imprescindível que o campo progressista brasileiro amplie o diálogo com as bases que, hoje, são compreendidas como bolsonaristas.
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“Se a esquerda, o campo democrático, não conseguir dialogar com esses elementos, como o campo religioso, o campo evangélico, ou dialogar com um outro elemento que foi importante para Bolsonaro, que é o da segurança pública, e não apresentar suas próprias narrativas sobre ele, virá um novo líder, uma direita que eu denomino mais “cheirosa”, como João Doria, Luciano Huck, para se aproveitar desse elementos que já estão enraizados na população”.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: Na sua mais recente pesquisa, você revela pontos que caracterizam o bolsonarismo. Quais são eles?
Esther Solano: Há dois tipos de bolsonarismo: o mais radical, aquele que podemos denominar como fascista, aquele eleitor do Bolsonaro misógino, autoritário, violento, obviamente racista e classista. Ele tem uma adesão ao projeto de Bolsonaro que não é só política, é um projeto de vida.
E há outro bolsonarismo, que eu diria que é o majoritário, que não é tanto uma visão fascista do mundo, mas é movido por alguns elementos que foram muito fortes nos últimos anos, no Brasil, como a negação da política tradicional, o antipetismo, o antiesquerdismo e a lava jato, que teve como consequência a criminalização da política.
E uma penetração muito grande de valores cristãos. A gente sabe o papel das igrejas pentecostais e neopentecostais e também de uma ética militar, um ethos militarista muito forte. São esses os elementos que definem o bolsonarismo, e que, evidentemente, vão ficar para além de Bolsonaro.
E é possível que alguém se aproveite desse bolsonarismo enraizado na sociedade...
Se a esquerda, o campo democrático, não conseguir dialogar com esses elementos, como o campo religioso, o campo evangélico, ou dialogar com um outro elemento que foi importante para Bolsonaro, que é o da segurança pública, e não apresentar suas próprias narrativas sobre ele, virá um novo líder, uma direita que eu denomino mais “cheirosa”, como João Doria, Luciano Huck, para se aproveitar desse elementos que já estão enraizados na população.
A esquerda está deixando um vácuo político e social ao não dialogar sobre essas narrativas. E podemos estar jogando isso no colo desse novo líder de direita ou centro direita, que seja mais palatável que Bolsonaro, mas que no fundo tem um projeto neoliberal.
Há um contrapeso do STF e do Congresso a algumas medidas do governo Bolsonaro. Qual a influência das demais instituições nesse processo?
No momento atual, é importantíssimo a gente criar qualquer tipo de frente, mais ampla possível, porque o momento não tem a ver apenas com uma emergência política, mas com a vida dos brasileiros, de tirar o Bolsonaro do poder. Quanto mais tempo ele permanecer no poder, mais pessoas vão morrer.
Mas uma coisa a gente tem que ter muito clara: os aliados de hoje, são aqueles que criaram o problema que nós temos. Quando a gente fala do poder Judiciário, todo o grupo lavajatista e o próprio STF, foram cúmplices da vitória do Bolsonaro. A imprensa brasileira, foi um grande cúmplice da vitória do Bolsonaro. Além de outros que estão assinando manifestos agora, como o MBL [Movimento Brasil Livre].
É um momento complexo, porque apesar de defendermos as instituições, sabemos que elas trabalham contra o trabalhador, incentivaram um antipetismo e a criminalização da esquerda muito forte. A gente não estaria hoje, na situação em que estamos, se não fosse pela cumplicidade, direta ou indireta, de muitos que agora assinam esses manifestos [pró-democracia].
Essas instituições, principalmente o STF, têm tentando desarticular o bolsonarismo. Como você tem visto essas ações, que em alguns casos acabaram em prisões, de bolsonaristas?
Eu sou abolicionista penal, absolutamente contra o encarceramento, mas eu confesso que senti um gostinho quando vi a Sara Winter (Giromini) sendo presa. Eles são personagens absolutamente trágicos e necropolíticos.
Mas qual é o problema disso? E uma coisa que a gente tem captado nas nossas pesquisas: cada vez que o STF faz uma movimentação no sentido de prender personagens políticos, as pessoas percebem que o Supremo está muito politizado, militante, tanto para um lado quanto para outro. As pessoas percebem que não é um órgão neutro, que seja movido por questões técnicas, mas sim por questões políticas.
Veja que enrascada que nós temos: o STF, um dos grandes criminalizados por Bolsonaro, não só por sujeitos folclóricos como a Sara, mas também pela base do presidente, que até já votou no PT, mas que agora se deixa levar por essa criminalização da justiça, se torna refém dessa situação.
Eles atuam mais como apresentadores de TV do que como ministros do Supremo Tribunal Federal. Então esse é o problema: como você sai dessa dinâmica, quando o próprio órgão de justiça acaba jogando esse jogo que é muito perigoso e muito antidemocrático também.
Edição: Douglas Matos