Um dos focos da crise política que circunda o governo Bolsonaro, a rota do Ministério da Educação (MEC) está no centro das preocupações de atores políticos e entidades civis. Após a saída do último ministro, Abraham Weintraub, na última quinta (18), a pasta está sem um novo titular, sendo operada pelo interino Antonio Paulo Voguel, e sem um horizonte que atenda os interesses sociais. É o que avalia a deputada Margarida Salomão (PT-MG), da Frente Parlamentar pela Valorização das Universidades Federais.
“Nós não temos expectativa de que ele venha a ser substituído por alguém que, de fato, tenha uma concepção comprometida com a educação democrática no Brasil porque não há, no país, uma expectativa de que o governo Bolsonaro faça esse movimento. Isso é, de todo modo, uma situação muito grave porque nós vivemos uma outra emergência além da emergência sanitária, que é a emergência educacional”, afirma a deputada, acrescentando que as escolas estão sem aula há quase quatro meses e que a gestão Bolsonaro não tem projeto para lidar com a situação.
“Neste momento, você precisaria ter alguém no ministério coordenando um esforço nacional pra pensar isso, e essa coordenação caberia ao MEC. E temos aí uma pauta abandonada da educação. Nós não temos, por exemplo, uma preocupação com o Plano Nacional da Educação (PNE). O governo não tomou nenhuma providência no sentido de obtenção de metas. E ainda tem o Fundeb, que não foi votado. É um quadro problemático”, resume a parlamentar.
A votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 15/2015, que renova o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), é um dos gargalos políticos do governo no momento. Com resistência da equipe econômica da gestão, comandada pelo ministro Paulo Guedes, e de parlamentares mais próximos de Bolsonaro, a medida pereniza o fundo, convertendo-o em uma política de Estado permanente, e conta com amplo apoio social.
Pela legislação vigente, o Fundeb vigora somente até dezembro deste ano. Sem a renovação dos investimentos na área, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) estima que, a partir do ano que vem, cerca de 70% das escolas públicas podem fechar as portas por falta de verbas.
Sem diálogo
O presidente da entidade, Heleno Araújo, avalia que o atual contexto espinhoso da área se torna mais difícil de manobrar porque estaria faltando interação entre o governo Bolsonaro e os segmentos dos professores e estudantes da rede pública.
“O impacto disso é muito grande e gera todos os problema possíveis porque, mesmo que a gente tenha demandas muito grandes e o Estado não tenha condições de resolver tudo de uma vez, quando você abre um diálogo social, você vai construindo [isso] por etapas. O grande impacto que estamos tendo agora é a imposição de medidas de cima pra baixo. Isso [ocorria] antes da pandemia e, agora, com a pandemia, continua do mesmo jeito”, observa Araújo, mencionando o caso do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como um dos destaques.
A CNTE se queixa de não ter sido ouvida pelo governo a respeito da mudança no calendário das provas. “Nem entidades representativas dos professores nem as dos estudantes foram ouvidas, ou seja, quem está envolvido diretamente na vida dos alunos está ausente dessas decisões”, frisa o presidente.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) tem se manifestado no mesmo sentido. No último sábado, por exemplo, a entidade disse, por meio de seu perfil no Twitter, que “Weintraub foi pra Miami e deixou pros estudantes uma armadilha”. “Não se decide sobre as novas datas do Enem com uma enquete mal feita, mal divulgada e sem discussão! Aliás, que só foi criada pra dividir os estudantes”, completou, na postagem.
Via contrária
A professora da Universidade de Brasília (UnB) Catarina de Almeida Santos, integrante do comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, avalia que há um conjunto de pautas do segmento que seguem na penumbra do governo, sem a “atenção merecida”. Ela assinala que, seguindo a via contrária, a gestão Bolsonaro tem gasto energia, nos últimos tempos, com medidas que não seriam reivindicadas pelos movimentos de defesa da educação, como é o caso do projeto de expansão de escolas cívico-militares.
“E ainda tem outras coisas, como os cortes de bolsas de pesquisa, perseguição a universidades e cursos de Ciências Humanas, entre outras iniciativas. O governo não tem feito nada que não seja destruir a educação. É um governo ausente dos debates que realmente interessam à área”, avalia a acadêmica, para quem o futuro ministro a ser nomeado para conduzir o MEC não tende a implementar mudanças bem-vindas na pasta.
“Ninguém tem a ilusão de que o próximo será melhor que o Weintraub porque, se o governo Bolsonaro é capaz de deixar o Ministério da Saúde sem ministro em meio a uma pandemia, imagine o que não é capaz de fazer com as outras pastas, especialmente na educação. Ele não vai trazer proposições positivas. Não acredito nisso”, encerra.
Governo
O Brasil de Fato tentou ouvir o Ministério da Educação (MEC) a respeito dos apontamentos e críticas feitos pelas fontes ouvidas nesta matéria, mas não conseguiu contato com a assessoria de imprensa da pasta.
Edição: Rodrigo Chagas