Ana Moser é referência no voleibol brasileiro. Atuou nas quadras por 15 anos, de 1985 a 1999. Conquistou medalha olímpica (bronze em Atlanta, 1996) e 12 pódios em torneios mundiais, pela seleção e por clubes. Além da carreira vitoriosa, tornou-se referência em fazer do esporte ferramenta de inclusão social.
Foi um pouco dessa experiência que Ana Moser levou ao Café com MST. O bate-papo virtual, que contou também com o jornalista Juca Kfouri, foi realizado na noite desta segunda-feira (22).
Conduzido pelo coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Paulo Rodrigues, teve a participação de Joba Alves, também integrante da direção do MST.
A nadadora Joanna Maranhão, convidada, não pode participar porque estava envolvida nos cuidados com seu bebê.
A ex-jogadora de vôlei lembrou dos 20 anos em que já atua na área social. Com a qualificação de professores, seu Instituto Esporte & Educação busca oferecer acesso ao esporte em periferias de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. “O impacto do esporte para além de ser atleta”, explica.
Ana Moser relata que nesse tempo todo foi possível acreditar numa utopia, de um país capaz de diminuir desigualdades e ampliar oportunidades.
“O instituto começou em 2001 e passamos a viajar o Brasil em 2004 e 2005. A gente pegou a ampliação da educação, as escolas melhorando. A gente viu o Luz para Todos, cisterna no sertão, Prouni [Programa Universidade para Todos, Fies [Financiamento Estudantil], esses programas todos. A educação transformando”, destaca.
Grandeza empobrecida
Nas viagens pelo Brasil, Ana Moser conta como aprendeu a reconhecer a grandeza do país. “Passamos anos acreditando muito no Brasil e a gente sentiu isso mudando”, lamenta. “Na eleição de 2012 para prefeito já mudou bastante”, afirma sobre cidades que eram administradas pela “esquerda e passaram a ser direita”.
A ex-jogadora fez críticas ao governo Dilma Rousseff. “A gente não conseguiu mais avançar na pauta do esporte como conseguimos no governo Lula. Começamos com Fernando Henrique Cardoso, quando não tinha nada para o esporte. Era só tirar foto com medalha”, compara.
“Pouco a pouco foi empobrecendo, canalizou tudo para esporte de alto rendimento”, diz. “Depois do impeachment foi um salve-se quem puder. Municípios empobrecendo, as pessoas perdendo a fé. E na prática vários programas sociais foram caindo. Bolsa Família, as pessoas perdendo saúde, educação. E no esporte, então, a gente passou a ter de lidar com uma batalha ideológica. A guerra de comunicação mina energia de todo mundo. Desinformação, bate-boca e enquanto isso a boiada vai passando.”
“Só sou capaz de olhar para o esporte, mesmo sendo jornalista que cobre a vida toda o alto rendimento, pelo olhar da inclusão, da democratização do acesso à prática esportiva para todos. Infelizmente estamos longe disso”, lamentou também o Juca Kfouri. “Ensaiamos construir uma política nos governos Lula, com Dilma houve uma trava, e agora estão passando por cima de tudo.”
Vergonha mundial
Ana Moser se assombra com o Brasil, “que vem pela frente”, comparado ao que viu nas últimas décadas. “A crise econômica só piorou. E a crise sanitária! Nem fechamos direito e está abrindo sem ter controlado. Uma vergonha mundial. Daqui a pouco a gente não pode entrar em nenhum país”, disse.
“Não sei o que a gente vai tirar dessa crise. Se não houver um movimento muito coeso, estruturado, os pobres vão ficar mais pobres e os ricos mais ricos. E a gente não vai aprender nada com isso.”
O jornalista Juca Kfouri destacou a origem de tanto mal. “Todos os golpes nesse país têm a mesma origem. As elites não admitem que a senzala chegue perto da casa-grande. Nos governos Lula tivemos uma festa dos excluídos, mas sem atrapalhar a casa-grande. Erramos”, avaliou.
“Erramos ao fazer uma Copa do Mundo como se estivéssemos na Ásia ou Alemanha, construindo 12 estádios quando a Fifa pedia oito”, afirmou. “Era absolutamente correto que o Brasil sediasse uma Copa, mas uma Copa nossa, não do Qatar”, ironizou Juca.
“E erramos barbaramente ao trazer uma Olimpíada para cá. Porque isso coroa um processo de um país que pratica esporte, não só com atletas de alto rendimento. Um país que olha para o esporte com um fator social, provê esporte para a população”, observa o jornalista.
Necropolítica no esporte
“A Olímpiada seria o marco inicial, mas Olimpíada é coroamento, fim de processo. E hoje vemos o sucateamento da Cidade Olímpica. Equipamentos foram derrubados para que novos fossem construídos e a população perdeu o que usava antes”, criticou Juca Kfouri.
Para o jornalista, em plena pandemia, não faz sentido discutir volta dos jogos. “Diferentemente do que se fez na Alemanha, Espanha, Itália, aqui, em plena curva ascendente, se fala em voltar o futebol com absoluto descuido. Estamos enfrentando um governo da necropolítica, que além da sanha fascistoide, está pouco preocupado com a população brasileira.”
Provocado por Joba Alves, do MST, o jornalista saudou a atuação das torcidas organizadas e dos esportistas pela democracia. “A sociedade civil despertou. O pós-pandemia não pode ser como vínhamos sendo. O chamado ‘novo normal’ tem de olhar para o velho e se dar conta de que o velho era anormal. Aprendemos que o Estado tem de ser olhado de outra maneira, que a saúde publica é questão de Estado. Bíblias do liberalismo reconhecem isso”, ressaltou Juca. “Quando se olha pro esporte, e eu falo em educação, o esporte está aí dentro.”