Moradia

Em Pelotas (RS), despejo deixa 63 famílias desalojadas em plena pandemia da covid-19

Famílias da Ocupação Nova Coruja utilizavam há seis meses uma área abandonada ao lado do presídio da cidade gaúcha

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Cumprindo determinação da juíza Rita de Cássia Muller, a tropa de choque da Polícia chegou nesta terça-feira (23), as seis horas da manhã, na Ocupação Nova Coruja - Divulgação

Cumprindo determinação da juíza Rita de Cássia Muller, a tropa de choque da Polícia chegou nesta terça-feira (23), as seis horas da manhã, na Ocupação Nova Coruja, na cidade de Pelotas, com várias viaturas, para realizar a remoção de 63 famílias. Elas ocupavam o terreno de 100 metros por 70, há 6 meses.

O local tem capacidade de abrigar quase 200 pessoas, hoje espremidas em uma vila atrás do muro do presídio. A informação é do assistente social Diego Rodrigues Gonçalves que assessora as famílias.

Ele contou que a Vila Coruja existe há cerca de 50 anos, mas no dia 4 de janeiro deste ano, pressionadas pelo espaço exíguo, 63 famílias ocuparam o terreno ao lado, atrás do presídio de Pelotas. Foram acordados nesta terça pelos policiais que acompanhavam um oficial de justiça e tiveram um prazo para retirar suas coisas. Se não obedecessem a ordem teriam seus pertences soterrados por uma máquina retroescavadeira que acompanhava os dois ônibus da Polícia de Choque.

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Depois de uma negociação que durou até o meio dia, os moradores começaram a tirar suas coisas e dirigir-se a moradias de parentes, onde ficarão abrigados em pequenos espaços durante a pandemia. Os 63 barracos de madeira estavam sendo destruídos com o acompanhamento dos policiais e de seguranças particulares contratados pela família Simões Lopes, proprietária do lugar.

Um grupo de cinco famílias foi encaminhado ao Colégio Municipal de Pelotas, que está servindo de abrigo para necessitados desde o início da pandemia da covid-19. De acordo com Diego, a coabitação agrava questões sanitárias, de saúde e qualidade de vida. 


Os 63 barracos de madeira foram destruídos com o acompanhamento dos policiais e de seguranças particulares contratados pela família Simões Lopes / Divulgação

Déficit habitacional x especulação imobiliária

Segundo aponta um levantamento da Universidade Federal de Pelotas e do Observatório de Conflitos da cidade da Universidade Católica de Pelotas, o município tem 33 mil famílias precisando de investimento em habitação. Em 2020 foram registrados 56 domicílios improvisados, 995 precários, 6.125 em coabitação. Além disso, 856 vivem em inadequação fundiária, 3.416 com excesso de moradores, 1.527 com falta de banheiro, 1.363 com falta de água, 13.007 com falta de saneamento e 493 com falta de coleta de resíduo. 

::Ordens de despejo em Pelotas e Viamão durante a pandemia são um atentado à vida::

Conforme os moradores mais antigos, o local sempre foi utilizado como depósito de lixo. “Estou aqui em uma propriedade que nunca foi ocupada, nasci e cresci aqui, tenho 39 anos. O pessoal ocupou um lado do presídio. Todo mundo aqui tem família que precisa de moradia”, afirmou o morador André da Rosa.  

De acordo com Diego, é a terceira vez em 10 anos que a população tenta garantir seu direito à moradia digna neste local. “A família Simões Lopes, a proprietária do terreno, alegou que iria construir algo no local e assim efetivar um papel social para o terreno, o que nunca aconteceu”, destaca o assistente social.

No fim de abril, já durante a pandemia, os proprietários pediram a reintegração de posse. A juíza do caso, Rita de Cássia Muller, marcou a reintegração para o dia 5 de junho (sexta-feira), o que acabou não acontecendo, por resistência da população. Os advogados que atuam voluntariamente junto aos moradores da ocupação pedem que o caso seja encaminhado para o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Comarca de Pelotas – CEJUSC. Onde tentarão uma mediação.


Depois de uma negociação que durou até o meio dia, os moradores começaram a tirar suas coisas e dirigir-se a moradias de parentes. Um grupo de cinco famílias foi para o Colégio Municipal de Pelotas, que está servindo de abrigo para necessitados desde o início da pandemia / Divulgação

Moradia é um direito humano

Em uma live com a Rede Soberania e o Brasil de Fato RS, no início do mês, o conselheiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos Cristiano Muller garantiu ter sido feito um acordo com a corregedoria do Tribunal de Justiça para que fossem suspensas todas as ações de despejo durante o período que durasse a pandemia, para garantir o direito à vida dos ocupantes e a moradia.

“Entendemos que isto estava garantido quando o Tribunal decretou que somente as medidas de urgência teriam prosseguimento”, explicou Muller. Ele interroga: “Qual é a urgência da retomada de um imóvel neste período se esta área esteve abandonada durante tanto tempo?”. Ele disse não entender por que o Judiciário compreende que uma área tem que ser retomada em decisão liminar para ser cumprida em 24 horas.

“Isto para nós é indignante, não foi só o Conselho Estadual que se manifestou, mas a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão mandou uma determinação para todas as procuradorias regionais dizendo que as pessoas têm que ficar dentro de casa durante a pandemia, elas não podem ficar ao relento, sujeitas ao contágio.” Muller acrescentou que não se trata apenas de defesa da moradia, mas sim defesa da vida.

 

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Rodrigo Chagas e Katia Marko