Garantir que as pessoas tenham renda para ficar em casa salvaria a economia
Nos primórdios da pandemia do novo corona vírus, fomos confrontados com a seguinte questão vinda do Palácio do Planalto: salvar vidas ou a economia? Nesse contexto várias vozes se levantaram apelando para a razão – algo não trivial nos dias de hoje. Não é preciso ser muito conhecedor de economia para saber que essa questão é completamente descabida.
Em primeiro lugar, um Estado Nacional, dotado de uma coordenação central eleita democraticamente, existe – exatamente – para ser uma entidade que contrabalanceia a tendência camicase do “Deus Mercado”.
Ou seja, em períodos de crise a lógica privada e maximizadora de lucro do mercado impede uma política anticíclica. Assim, em um cenário em que todos poupam – premidos pelas incertezas – apenas o Estado, que responde por uma racionalidade não comercial, pode constituir as bases para a busca de crescimento econômico e bem-estar social. Dessa feita, mesmo que fosse conflitante “salvar vidas e salvar economia”, o Estado deveria primar pelo primeiro.
Mas não é conflitante. A “economia” – em síntese - é a realização da compra e venda de bens e serviços. Só há realização do valor na medida em que uns vendem e outros compras. O gasto de um é a receita de outro. Em um cenário em que ninguém gasta – ou porque não tem emprego, perdeu renda ou não tem segurança de que seu emprego seja mantido – ninguém recebe.
É por isso que salvar vidas, ou seja, garantir que as pessoas tenham renda para ficar em casa e, com isso, manter o isolamento social, é salvar a economia, porque essas pessoas, ao não morrerem e preservarem a sua renda, poderão nos dar melhores condições de retomada da atividade econômica assim que o isolamento não seja mais necessário.
A década mais perdida
O FMI, nessa semana, revisou para baixo as projeções de queda no PIB brasileiro. 9,1% é o que o Fundo estima que seja o nosso tombo em 2020 em relação a 2019. O motivo da revisão é justamente a curva de contágio não ter ainda se estabilizado no Brasil. Ou seja, ao não salvar vidas estamos dificultando ainda mais a própria geração interna de riqueza.
A ausência de políticas de preservação de empregos e da renda do trabalhador nos proporcionará um desemprenho econômico medíocre, ficando atrás de 82% dos demais países do mundo. Até a Argentina que está no meio de uma grave crise de endividamento externo e restrição no seu balanço de pagamentos vai ter uma performance econômica melhor do que a brasileira, para desespero da nossa equipe econômica.
Vale lembrar que a pandemia do novo coronavírus impactou uma economia que já estava estagnada. O crescimento de 1% em 1% desde 2017 ainda não nos tinha recuperado a capacidade interna de geração de riqueza que nós tínhamos no ano de 2014.
Estávamos simplesmente na pior crise econômica com a recuperação mais lenta da nossa história. Mesmo se fossem concretizadas as projeções de que o Brasil cresceria 2% em 2020, a década de 2011-2020 amargaria uma média de crescimento de parcos 0,8% ano a ano (a.a.). Apenas a título de comparação, aquilo que aprendemos nas faculdades de economia como “década perdida” (1981-1990) teve média de 1,6% de crescimento (a.a.).
Nossas condições de crescimento serão muito piores do que as da maioria dos países do mundo não somente porque nossa política econômica e social na crise do novo coronavírus é completamente insuficiente do ponto de vista econômico e desastrosa do ponto de vista sanitário. Isso acontece – principalmente – porque a aventura neoliberal 2.0 que ronda a economia desde 2015 nos deixou de herança um verdadeiro fracasso econômico, permitindo que nossa sociedade e nossa economia estivessem mais vulneráveis aos choques de demanda e de oferta que caracterizam essa crise.
Edição: Rodrigo Durão Coelho