Com o início do pagamento da última parcela do auxílio emergencial nos últimos dias, parlamentares de oposição e entidades da sociedade civil organizada passaram a intensificar o coro em defesa da prorrogação do benefício até dezembro. Na contramão da proposta, em anúncio feito na tarde desta terça (30), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a equipe econômica da gestão informaram que o benefício será estendido por mais duas parcelas de R$ 600 mensais (que podem ser divididos em um ou dois depósitos).
Defensor da concessão do auxílio até dezembro, prazo final do estado de calamidade pública no país, o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB), Leandro Ferreira, ressalta a importância da verba para os trabalhadores que estão em situação vulnerável em meio ao agravamento da crise socioeconômica no país.
“O governo ainda não entendeu que a pandemia e os seus efeitos estão longe de acabar, não só do ponto de vista sanitário, mas principalmente do ponto de vista econômico. É um problema grave que se remova logo uma das poucas políticas que estão dando certo, que é o auxilio emergencial, ainda que ele tenha uma coleção de problemas na sua implementação” , diz Ferreira.
Aprovado em março pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, o auxílio começou a ser liberado pelo governo federal no início de abril. A medida é destinada a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados. Entre os grupos atendidos, estão vendedores ambulantes, manicures, cabeleireiros e diaristas, entre outros.
A líder do Psol na Câmara, Fernanda Melchiona (RS), lembra que a proposta inicial da gestão Bolsonaro durante as discussões sobre o auxílio no Legislativo era de um valor em torno de R$ 200. Mas a ideia não resistiu às articulações contrárias de parlamentares de diferentes grupos políticos que defenderam uma quantia mais alta e o governo terminou derrotado, com a aprovação da parcela de R$ 600.
“Hoje isso é importante pra um contingente enorme de brasileiros. São 54 milhões de trabalhadores”, realça Melchiona, ao afirmar que os efeitos da crise gerada pelo avanço do coronavírus são sistêmicos e devem perdurar ainda “por um bom tempo”.
A parlamentar acredita que o governo deve enfrentar resistência no Legislativo, caso o benefício não seria prorrogado até o final do estado de calamidade. “A gente sabe que a situação econômica do país já era ruim antes da pandemia e se agravou enormemente com chegada dela e com o aumento do desemprego. Nós vamos lutar muito pra manter os R$ 600 até o final do ano. Nós do Psol defendemos, inclusive, uma renda básica permanente porque isso tem a ver justamente com a estrutura desigual do país, que precisa ter políticas públicas de transferência de renda (2:32)”, argumenta Melchiona.
A proposta de ampliação do auxílio tem adeptos no Congresso Nacional entre parlamentares de diferentes colorações políticas. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tem forte tendência neoliberal, vinha defendendo a renovação das parcelas por mais três meses. Parlamentares do chamado “centrão”, grupo que está entre os mais simpáticos à agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes, também têm argumentado pela extensão da política, embora apresente fissuras internas no que se refere ao tempo e ao valor do benefício.
Orçamento
A proposta de postergação por apenas dois meses também preocupa especialistas, que chamam atenção para as consequências elásticas da pandemia. O cenário criado pelo avanço do coronavírus alia a crise na área de saúde a problemas sociais e econômicos, o que potencializa o coro em defesa da manutenção do auxílio por um tempo além do anunciado.
Apesar disso, a gestão Bolsonaro tem entoado o discurso de que o país estaria quebrado e que o fluxo de caixa do Poder Executivo não daria conta de montantes maiores de investimento na política. Nesta terça, Guedes afirmou que o Brasil teria chegado ao que chamou de “fundo do poço” em abril deste ano. Já o presidente Bolsonaro reconheceu que o valor atual, de R$ 600, é “pouco”, mas argumentou que “pode ser muito pra quem não tem nada”.
A especialista em orçamento público Grazielle David, assessora da Rede de Justiça Fiscal da América Latina e do Caribe (RJFALC), afirma que hoje o governo teria condições técnicas de estender o benefício até o final do ano por conta das garantias do estado de calamidade pública, que foi reconhecido oficialmente pelo Congresso Nacional em meados de março, e do entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.
Uma decisão liminar concedida pelo ministro Alexandre de Moraes em março deste ano liberou o governo de cumprir determinadas exigências orçamentárias naquilo que se refere às medidas de enfrentamento à pandemia, como é o caso do auxílio emergencial. Na prática, o entendimento flexibiliza regras da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei 13.898) que vigora este ano.
“Sendo assim, em termos orçamentários, não tem sentido o governo não estender isso até o final do ano. Ele está com toda a abertura legal possível pra poder abrir mais credito e garantir os recursos nesse prazo. A ideia de que o Estado está quebrado e que não tem espaço fiscal não é verdadeira. Nossa dívida é interna, em moeda nacional, e a gente não vai quebrar. Existe espaço ainda pra emisssão de títulos, existem compradores e não tem limitação fiscal, no momento, de nenhuma regra que impeça o governo de fazer isso. Então, neste momento, isso é uma escolha política”, analisa Grazielle David.
A assessora da Rebrip assinala ainda que a não liberação de mais tempo de benefício por parte do governo brasileiro vai na direção contrária da postura assumida pelos demais países que hoje vivem o drama da pandemia, a exemplo da Itália. “Se o mundo inteiro está aumentando seus gastos e seu déficit, está num cenário de deflação e juros baixos, o que é muito importante pra dívida, que é muito alta, por que o Brasil esta querendo antecipar ações que não são as que o mundo está adotando? Agora é a hora de fazer dívida [estatal]”, defende.
Grazielle David realça ainda que o capitalismo financeiro, que se caracteriza pela intensa especulação em cima de juros, títulos e ações, tem o endividamento estatal como um dos seus fundamentos. “A lógica dessa economia é se mover por rolagem de dívidas. Então, se a gente não quer ter dívidas e fazer rolagem da dívida, a gente vai ter que sair do capitalismo financeiro e buscar uma outra estrutura, porque dentro dele é assim que grande parte da lógica do funcionamento do Estado funciona”, encerra.
Edição: Rodrigo Durão Coelho