A paralisação dos entregadores de aplicativos em diferentes pontos do país nesta quarta-feira (1º) teve ressonância em outras categorias profissionais. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), sindicatos de enfermeiros, professores, jornalistas e outros segmentos prestaram solidariedade aos motoristas e ciclistas que se aglutinaram em praças e ruas do país para reivindicar garantias trabalhistas.
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O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) publicou um editorial em defesa da greve. “A gente não podia se furtar de dar todo o apoio porque nós verificamos que eles são, na verdade, a concretização de todo o avanço da política neoliberal no que tange às relações trabalhistas – a flexibilização [de direitos], a lógica de tentar colocar a narrativa de que eles são microempreendedores, o que, na verdade, eles não são. São trabalhadores sem nenhuma garantia laboral”, afirma o presidente da entidade, Antonio Gonçalves.
O que se está fazendo hoje com essa categoria se quer ampliar pro conjunto da classe.
Segundo os entregadores, em geral, os motoristas chegam a ter uma jornada de mais de 12 horas por dia, sem folgas semanais ou pagamento fixo e, na maioria das vezes, sem seguro. Gonçalves salienta que a situação do segmento aponta para o risco de maior pulverização da “uberização”, sistema de trabalho em que a exploração da mão de obra por parte de empresas de plataformas digitais se dá sem obrigações trabalhistas.
“É uma espécie de laboratório. O que se está fazendo hoje com essa categoria se quer ampliar pro conjunto da classe [trabalhadora], e a gente já está vivenciando hoje [uma realidade de] mais de 50 milhões de trabalhadores na informalidade”, lembra.
O Sindicato Nacional de Gestores em Ciência & Tecnologia (SindGCT) se manifestou dentro da mesma linha de raciocínio. Em nota divulgada à imprensa, a entidade lembrou o avanço da flexibilização de direitos dos servidores públicos.
“A precarização das condições de trabalho dos entregadores faz parte da mesma reconfiguração da relação capital x trabalho em curso no Brasil desde 2016 com a ‘contrarreforma trabalhista’. Mesmo nós servidores públicos estatutários já começamos a perceber e enfrentar consequências nefastas desse processo, como a proposta de reforma administrativa, o horizonte de corte de salários, o congelamento de gratificações, as restrições de licenças e outros direitos, o fim dos concursos públicos e a terceirização irrestrita. Buscar melhores condições de trabalho é uma luta de todos”, disse a organização.
Os Sindicatos dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce) e do Distrito Federal (SJPDF) também se posicionaram em defesa da greve. O SJPDF lembrou que os entregadores têm direitos sindicais negados e que o jornalismo também já sofre as consequências desse tipo de política trabalhista que caracteriza a “uberização”.
“Cada vez mais, as plataformas são responsáveis pela mediação de diferentes tipos de atividades, e de forma altamente precarizada, sem que os trabalhadores possam participar da definição das condições, como ocorre em ofícios tradicionais onde há representação sindical estabelecida. Os trabalhadores de plataforma não são ‘outros’. São uma categoria que cada vez mais avançará para o jornalismo, como já ocorre com diversos serviços de ‘freelas’ e de tarefas pontuais”, sublinhou a entidade em nota.
Pra nós, é prioridade zero a organização dos trabalhadores de plataformas.
O presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre, por exemplo, convocou as diferentes entidades trabalhistas a apoiarem e divulgarem a mobilização dos entregadores. “Essa greve foi decretada com toda justiça. É triste ver trabalhadores – jovens, inclusive — que fazem jornada de 12 horas por dia, sem fim de semana, de domingo a domingo, e ainda chegam no final do mês e levam menos de um salário mínimo pra casa, sem plano médico, sem proteção social. Pra nós, é prioridade zero a organização dos trabalhadores de plataformas”.
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"Estamos fazendo história"
Em entrevista ao Brasil de Fato, Abel Santos, do conselho fiscal da Associação de Motofretistas Autônomos e Entregadores do DF (AMAEDF), celebrou as manifestações de apoio e exaltou a importância da luta da categoria. Em Brasília, por exemplo, o segmento passou a se organizar no ano passado, com a criação da entidade, que agora tenta expandir o trabalho de conscientização dos trabalhadores do ramo. Santos afirma que hoje a AMAEDF observa um aumento na procura dos associados por informações que dizem respeito a direitos trabalhistas.
Daqui a um tempo vai passar pra diversas outras profissões, como já estão tentando fazer com médico, enfermeiro, advogado.
"Eles têm que ter essa conscientização de que a gente pode lutar por isso, pode lutar pela regulamentação dessa atividade nova. Nós estamos fazendo história. Essa questão da uberização, que hoje se estuda em varias universidades, ainda está iniciando. Daqui a um tempo vai passar pra diversas outras profissões, como já estão tentando fazer com médico, enfermeiro, advogado. Ela vai precisar já ter uma regulamentação. Nós que estamos iniciando isso”, sublinha.
Nesta quarta, os entregadores reuniram cerca de 200 entregadores em um cortejo que percorreu algumas ruas da capital federal e chegou ao Congresso Nacional, onde a pauta do segmento encontra eco entre alguns parlamentares. A categoria tenta emplacar projetos de lei que regulamentam a profissão ou que trazem outras garantias, como o aumento da tarifa recebida por cada corrida.
Também está em curso uma proposta de criação de uma frente parlamentar para chamar atenção para a pauta do segmento. De olho nos desdobramentos da greve desta quarta, os entregadores da capital federal já articulam uma nova paralisação, que deve ocorrer no próximo dia 11.
“A ideia é a gente se manifestar em frente ao Congresso. Nós vamos cobrar isso deles. Vamos pressionar para que eles cumpram tudo o que prometeram”, afirma Abel Santos.
Edição: Rodrigo Chagas