De todo modo, a sociedade pode tirar bom proveito dessa peleja.
Força-tarefa é um conceito de origem militar, atribuído historicamente à Marinha dos Estados Unidos da América durante a Segunda Guerra Mundial, para designar um grupo temporário de unidades militares, forças navais sob comando único, formadas com o propósito de executar uma operação ou missão específica. Segundo os registros, o termo ganhou popularidade na linguagem da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), sendo usado hoje de forma comum, em regra para a consecução de operações militares conjuntas, que envolvem um ou mais países e uma ou mais forças militares, e tendo em mira complexos objetivos táticos e estratégicos.
Em suma, uma força-tarefa é um conceito operacional que implica a mobilização de meios de mais de um órgão público, que se articulam para atingir metas submetidas a planejamento estratégico. No Brasil não há uma normatização do instituto das forças-tarefas. A despeito disso, o país adotou o mecanismo no âmbito das investigações conjuntas para a apuração de crimes em casos de lavagem de dinheiro, contra o Sistema Financeiro Nacional, fraudes contra a Administração Pública, delitos informáticos, crimes ambientais, no combate ao trabalho escravo, à corrupção policial, ao tráfico de drogas e armas, ao roubo de cargas e ao roubo a bancos. As forças-tarefas que operam no âmbito das investigações criminais são regulamentadas por atos do Ministério Público.
A união de órgãos em uma mesma investigação, no nosso modelo de sistema pré-processual já seria, em princípio, bastante complexa, dadas as disputas correntes sobre competências entre as polícias e o Ministério Público, por exemplo, que já provocaram grandes embates públicos e legislativos.
Embalada por um grande marketing de “maior operação contra a corrupção” e denunciada desde seu início por investigados e seus advogados, pela prática de toda sorte de desvios e ilegalidades, a mais “famosa” operação da história brasileira, autodenominada “operação Lava Jato”, provocou duras críticas vindas de dentro do próprio sistema de justiça, com ênfase para a posição de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal.
Revelou-se, há um ano, por obra do site The Intercept Brasil e parceiros - que tiveram acesso a diálogos travados por meio do aplicativo Telegram - um grande esquema de conluio entre os membros da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e o juiz responsável por conduzir os inquéritos, e posteriormente ministro da Justiça, Sérgio Moro, com vistas a atingir pessoas previamente escolhidas, de acordo com suas preferências político-ideológicas.
No campo das contradições internas, em alguns momentos a força-tarefa da Lava Jato de Curitiba entrou em choque com a Procuradoria-geral da República. Considerada como inimiga interna pelos procuradores de Curitiba, poucos dias antes de deixar o cargo, a ex-PGR, Raquel Dodge, lidou com o pedido de demissão de seis dos membros da Lava Jato na PGR, por discordarem da manifestação dela enviada ao STF sobre o acordo de colaboração premiada de Leo Pinheiro, que pedia arquivamento de partes do documento.
Na semana passada, fato similar ocorreu sob o mandato de Augusto Aras. Três integrantes do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR pediram desligamento da função por discordar da ação da coordenadora, subprocuradora Lindora Araújo, em virtude de duas visitas feitas por ela ao QG da Lava Jato em Curitiba.
A reação dos procuradores de Curitiba, liderados por Deltan Dallagnol, foi tão imediata quanto reveladora. Enviaram ofício à corregedoria do Ministério Público Federal, alegando que Lindora realizou “manobra ilegal para copiar bancos de dados sigilosos de investigações de maneira informal e sem apresentar documentos ou justificativa”. Afirmaram que a ida fora feita fora da agenda e sem aviso.
A Procuradoria-geral respondeu em nota rebatendo os fatos e argumentos, criando uma guerra de versões sobre reunião, data, objetivos.
No mais recente round, a imprensa divulgou que a ação da procuradora estava sob investigação, fato também negado pela PGR, para quem a corregedoria do Ministério Público Federal quer saber se houve alguma ilegalidade na visita, mas também sobre "a existência de equipamentos utilizados para gravação de chamadas telefônicas recebidas por integrantes da equipe da força-tarefa, incluindo membros e servidores".
O compartilhamento de dados para uso nos processos que tramitam nos tribunais superiores em Brasília é procedimento comum. Daí porque soa altamente descomedida a reação vinda de Curitiba. Por outro lado, se faz sentido que irregularidades cometidas nos inquéritos estejam sendo investigados no âmbito da Procuradoria-geral da República, o rechaço revela uma preocupação bastante exacerbada com conteúdos que possam ser escrutinados.
Fato é que a contradição está posta.
Os mesmos senhores e senhoras donos da régua para medir a moral e honestidade alheia recusam-se a que informações legais que detêm sejam divulgadas. E a mesma procuradoria-geral da República, que sempre observou a força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba agir de forma livre e autônoma, mesmo diante das mais evidentes injuridicidades, despropósitos e abusos, agora parece estranhamente disposta a verificar ilegalidades. Não por acaso, um dos envolvidos nos ilícitos é hoje desafeto de Jair Bolsonaro, seu ex-ministro Sérgio Moro.
Nessa guerra de poder não há heróis, só interesses políticos escusos.
De todo modo, a sociedade pode tirar bom proveito dessa peleja.
Pouco importa se a guerra entre a Lava Jato e a PGR é gestada na disputa Bolsonaro versus Moro. A questão é que passou do tempo das ilicitudes, já publicamente reveladas, praticadas pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, incluindo as espúrias relações com o Judiciário e a Polícia Federal, serem formalmente expostas. Muitos fatos precisam ser trazidos à luz, a bem da democracia. Se investigações há, que sigam até o fim.
Espera-se que os bravos rapazes, criadores de PowerPoint para validar denúncias apenas com sua convicção, encarem uma investigação com a mesma serenidade que exigiram das pessoas a quem acusaram sem provas.
Edição: Rodrigo Durão Coelho