A cidade de Belo Horizonte (MG) apresentava, nos últimos meses, alguns dos melhores indicadores no combate ao novo coronavírus. O relativo sucesso da capital mineira foi atribuído, entre outras coisas, à gestão do Prefeito Alexandre Kalil (PSD), que combinou políticas de proteção à população mais vulnerável com a promoção de medidas sanitárias, como o isolamento e uso de máscaras.
Com o baixo número de contaminações e mortes, enquanto outras cidades aderiam ao fechamento obrigatório (lockdown), BH iniciou um processo de reabertura gradual e monitorada do comércio. Porém, na última semana, houve uma piora nos números da cidade, principalmente no que tange à ocupação de leitos de UTI e enfermaria. Na sexta (26), Kalil anunciou o retorno à primeira fase, com fechamento das atividades não-essenciais.
"Isso coincide, de certo modo, com a flexibilização das atividades comerciais na região metropolitana e, na semana seguinte, em Belo Horizonte também. O quadro atual, que é muito grave, tem a ver com o aumento da circulação de pessoas na cidade", afirma o secretário-geral do Conselho Municipal de Saúde e médico da família Bruno Pedralva em entrevista ao Brasil de Fato.
Poucos dias antes, o Conselho Municipal de Saúde encaminhou à Prefeitura uma carta reivindicando a intensificação do isolamento, aumento de vagas em Centros de Terapia Intensiva (CTI’s) e unificação do acesso a leitos nas redes pública e privada para casos que demandem internação.
Pedralva avalia que o Brasil carece de uma política nacional coordenada para salvar vidas. E defende a saída de Bolsonaro para que o país inicie um enfrentamento real à crise sanitária. "Muitos brasileiros e brasileiras estão adoecendo e morrendo em função da negligência do governo federal na organização do enfrentamento a essa pandemia", aponta.
Brasil de Fato MG - Na última semana, BH se aproximou do esgotamento dos leitos para pacientes de Covid-19. O que levou a essa situação?
Bruno Pedralva - Pelos boletins epidemiológicos da Prefeitura, por volta do dia 20 de maio, começamos a ter mais casos de coronavírus e aumentou a taxa de ocupação de leitos de CTI e enfermaria. Isso coincide, de certo modo, com a flexibilização das atividades comerciais na região metropolitana e, na semana seguinte, em Belo Horizonte também. O quadro atual, que é muito grave, tem a ver com o aumento da circulação de pessoas na cidade.
Todas as pessoas em grupos de risco, além de pessoas em situação de rua, pessoas com sofrimento mental e os moradores de instituições coletivas, como instituições para idosos, têm que ser testados
Esta semana, câmaras técnicas do Conselho Municipal de Saúde estão debatendo a testagem de usuários, ampliação de leitos, fila única para CTIs e enfermarias e combate à fome. Em comparação com o restante do Brasil, qual é a situação de BH nesses aspectos?
O problema dos testes não é apenas em Belo Horizonte, mas tanto Minas Gerais quanto BH estão atrás de outras cidades do Brasil. Existe uma expectativa de melhorar um pouco a testagem com um laboratório próprio de biologia molecular que a prefeitura inaugurou, mas somente usuários com sintomas graves, pessoas que falecem com sintomas e profissionais da saúde que atendem essas pessoas, basicamente médicos e enfermeiros, têm sido testados. Essas situações são um problema.
A OMS recomenda, mesmo em caso de carência de testes, que todos os profissionais da saúde sejam testados, mesmo os trabalhadores dos serviços de suporte, faxina, administrativo ou funções como os agentes de endemias.
Além disso, todas as pessoas em grupos de risco, além de pessoas em situação de rua, pessoas com sofrimento mental e os moradores de instituições coletivas, como instituições para idosos, têm que ser testados.
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Quanto à falta de CTI, denunciamos neste fim de semana que, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da região do Barreiro, havia oito pessoas em situação de instabilidade clínica e as vagas demoraram, em média, mais de um dia para sair. Os trabalhadores ficam angustiados e as pessoas expostas a situação de risco muito grande.
É claro que a prefeitura se esforça para ampliar os leitos da rede pública. Mas, caso isso não seja possível, nós consideramos uma injustiça social os hospitais privados terem leitos disponíveis (a última informação era de que somente 30% dos leitos estavam ocupados), enquanto usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) morrem por falta de leitos. Que ninguém perca a vida por falta de assistência, já que a Constituição Federal garante que a saúde é direito de todos e dever do Estado.
Quanto ao suporte econômico e de alimentação para famílias vulneráveis, a prefeitura de Belo Horizonte até foi protagonista, ao distribuir cestas básicas, com alimentos das merendas que não seriam utilizados. Mas, com a persistência da pandemia, a prefeitura não consegue dar suporte para todos.
Isso exigiria uma sensibilidade e uma ação mais contundente do governo federal, tanto com auxílio emergencial, que devia ser ampliado, quanto auxílio para os pequenos empresários, que praticamente não chegou.
É uma situação dramática porque as pessoas precisam sobreviver e muitos não estão podendo fazer o isolamento por impossibilidade econômica, porque precisam comer.
Padecemos da ausência de uma política nacional para enfrentar a pandemia e, principalmente, de um governo que tem, no mínimo, sido negligente com a vida das pessoas
Por que o Brasil, com menos de 3% da população mundial, tem mais de 10% das contaminações registradas e também das mortes por covid-19?
Muitos brasileiros e brasileiras estão adoecendo e morrendo em função da negligência do governo federal na organização do enfrentamento a essa pandemia. Além de menosprezar a doença, estimula a população a não cumprir as medidas sanitárias e não investe adequadamente. Mais de 64% dos recursos do Ministério da Saúde, que estão reservados no orçamento e não foram empenhados, estão parados. Há uma série de propostas do Conselho Nacional da Saúde para circular esse recurso, para que ele chegue às mãos dos municípios que estão fazendo as medidas de enfrentamento.
Nos parece dramática, ilegal e absurda a política do governo federal de esconder a totalidade dos números. Só depois de uma profunda pressão eles mudaram o site oficial do Ministério da Saúde, pra retomar a divulgação de casos acumulados. Eles passaram a divulgar casos só do dia. Esconder dados epidemiológicos de uma doença transmissível coloca em risco o planejamento dos sistemas de saúde para enfrentar a situação. Isso nunca havia acontecido na história do SUS.
Na última vez em que tivemos relatos disso, na ditadura, os militares esconderam os dados de uma epidemia de meningite em São Paulo.
Então, os militares, ao assumirem o Ministério da Saúde, deram mais um péssimo exemplo de censura. Mas ainda carecemos de informações públicas mais detalhadas que não estão claramente dispostas no site do Ministério.
E, naturalmente, há uma fragilidade das políticas de sustentação da política de isolamento para as pessoas mais carentes, os trabalhadores informais e mesmo os pequenos comerciantes, que estão padecendo na pandemia. O governo federal tem sido negligente com pequenos empresários e população vulnerável. Em vários lugares do mundo, o Estado pôs dinheiro nas mãos das pessoas para que pudessem cumprir as medidas sanitárias e passar esse momento grave.
Toda essa situação revela que padecemos da ausência de uma política nacional para enfrentar a pandemia e, principalmente, de um governo que tem, no mínimo, sido negligente com a vida das pessoas.
O coronavírus já matou mais brasileiros que a Guerra do Paraguai, foi o episódio da nossa história que mais matou brasileiros. Então, isso exige de nós uma postura muito firme. Na minha opinião, devemos levantar a bandeira do “Fora, Bolsonaro” porque este projeto e este desgoverno tem levado mais brasileiros à morte. Sigamos em luta porque se trata, neste momento, de uma luta pela vida.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Leandro Melito e Elis Almeida