Um dos maiores casos de grilagem de terras do Brasil, a Fazenda Estrondo, no Oeste na Bahia, sofreu uma derrota emblemática. No dia 30 de junho, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) negou o último recurso do empreendimento e determinou que 43 mil hectares do terreno são de posse coletiva das 120 famílias que vivem nas comunidades geraizeiras de Formosa do Rio Preto.
A decisão foi considerada “um marco na luta contra o agronegócio” por Samuel Britto, representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Centro-Oeste da Bahia. “Ter uma decisão dessa, nesta conjuntura, contra um empreendimento que representa o poderio econômico desse setor, com grandes grupos agrícolas que produzem dentro do condomínio Estrondo é importante. Saber que comunidades negras e pobres conseguiram essa vitória, é de extrema relevância", avalia.
Apesar da vitória nos tribunais, o clima na região ainda é de apreensão. Isso porque os geraizeiros e entidades que atuam em defesa da comunidade, acusam a Estrondo de não cumprir as determinações judiciais.
“Essa notícia rapidamente se espalhou nos nossos grupos de conversa. Eu percebi o entusiasmo e satisfação das comunidades. Mas sabemos que a Fazenda Estrondo vem agindo e pressionando as comunidades”, afirma Abner Mares Costa, da Agência 10senvolvimento, ligada à Diocese de Barreiras, que até a pandemia do coronavírus, estava nas comunidades geraizeiras.
A primeira derrota da Estrondo ocorreu em maio de 2017. Porém, após recorrer na Justiça, o empreendimento conseguiu reduzir a área reservada à comunidade para 9 mil hectares, mas o TJ-BA suspendeu a decisão e manteve os 43 mil hectares. Desde então, a violência aumentou na região.
Em agosto de 2019, seguranças armados abordaram Fernando Ferreira Lima, um geraizeiro que trabalhava com o gado da comunidade, e o pediram para descer do cavalo. Quando o homem saltou, foi atingido por um tiro que pegou na perna e o animal foi alvejado com outros três disparos. O rebanho foi levado pelos funcionários da Estrondo.
Maurício Correia, advogado da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), que representou os geraizeiros contra a Estrondo, lembra que a fazenda mantinha oito bases dentro do território da comunidade, onde ficavam os seguranças armados. As guaritas foram destruídas em dezembro de 2019. “Esses agentes agiam, inclusive, com apoio da polícia local”, afirma.
Apesar do histórico de violência que acompanhou o processo judicial, Correia celebra a sentença do TJ-BA. “Eu acho que é uma decisão emblemática e paradigmática, porque existe uma disparidade de força quando você tem um conglomerado, um grupo empresarial poderoso, que opera a grilagem desde a época da ditadura. Então, uma decisão contra esse grupo cria um ambiente favorável no judiciário para que outras decisões como essa sejam tomadas, que considerem a posse tradicional.”
História de ilegalidades
Considerada um dos maiores casos de grilagem de terras do Brasil, o Agronegócio Condomínio Cachoeira do Estrondo foi incluída no Livro Branco da Grilagem de Terras do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 1999. A publicação reunia o histórico de terras ocupadas ilegalmente por particulares no país.
De acordo com o site da Estrondo, sua área é de 444 mil hectares. Lá, funciona um condomínio de 23 fazendas, que agrega 24 empresas do agronegócio, de diversos setores, em uma área útil de 305 mil hectares, sendo 150 mil hectares dedicados ao plantio.
Entre as empresas que possuem fazenda dentro do condomínio da Estrondo estão gigantes do agronegócio como a holandesa Bunge e a americana Cargill. O conglomerado faz com que Formosa do Rio Preto seja a segunda maior produtora de soja e a sexta maior de algodão do país.
Em 2009, uma operação conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Federal (PF) resgatou 91 trabalhadores em condições análogas à escravidão em duas fazendas da Estrondo, a Indiana e a Austrália. Na primeira, 52 pessoas colhiam algodão em condições precárias. Na segunda, 39 funcionários recebiam R$ 60 por mês na produção de soja.
A Estrondo nunca pagou uma multa milionária, de R$ 55 milhões, aplicada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Retornáveis (Ibama) em 2003. O condomínio desmatou 40 mil hectares em Formosa do Rio Preto sem autorização do governo federal.
Sociedade
O Agronegócio Condomínio Cachoeira do Estrondo é administrado por três empresas, a Delfim Crédito Imobiliário S/A, a Cia de Melhoramentos do Oeste da Bahia (CMOB) e a Colina Paulista.
Fundador da Estrondo, Ronald Levisohn, sócio da Delfim Crédito Imobiliários S/A, morreu em 27 janeiro deste ano, por falência múltipla dos órgãos, no Hospital Copa Star, no Rio de Janeiro. O empresário é figura repetida no álbum de escândalos financeiros e políticos no país.
Levisohn levou o Grupo Delfin à falência em 1983, após tentar fraudar o pagamento de uma dívida de R$ 79 bilhões de cruzeiros com o BNH, banco que foi extinto e incorporado pela Caixa Econômica Federal.
Em julho de 2016, o empresário foi preso no âmbito da Operação Recomeço, uma extensão da Lava Jato. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), ele era acusado de “crimes contra o sistema financeiro pela venda de debêntures (títulos mobiliários) aos fundos de pensão Postalis (Correios) e Petros (Petrobrás).”
Outro lado
Em nota, o Agronegócio Condomínio Cachoeira do Estrondo informo que não considera o caso encerrado e que aguarda um posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para saber se poderá recorrer da decisão. O empreendimento defende que "até hoje, o vínculo territorial não foi comprovado na Justiça."
Edição: Leandro Melito