Análise semanal

Chances de transmissão da covid pelo ar elevam risco do afrouxamento da quarentena

Comunidade global acende o alerta para riscos crescentes de contaminação, mas Brasil segue com isolamento enfraquecido

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Durante a pandemia, Bolsonaro foi às ruas, se juntou a manifestações e causou aglomerações. Tudo em meio a afirmações contrárias ao isolamento social. - Evaristo Sá / AFP
A gente não sabe até quando isso vai e a situação é muito preocupante

A descoberta mais comentada desta semana sobre o comportamento do novo coronavírus veio de um grupo de cientistas que levantaram a possibilidade de transmissão da covid-19 pelo ar. A divulgação de uma carta, assinada por 239 pesquisadores do mundo, no domingo (5), acendeu o alerta. O grupo pedia que a Organização Mundial da Saúde  (OMS) reavaliasse as recomendações e cuidados para combate à propagação e levasse em consideração a possibilidade de infecção pelo ar.

No documento, os especialistas apelavam aos governos para novas medidas, principalmente em locais fechados e com pouca circulação de ar. O risco, de acordo com os cientistas, existe até mesmo se for mantida a distância de dois metros entre as pessoas nesses ambientes. A resposta inicial da OMS veio na terça-feira (7), quando a organização afirmou que havia evidências para as afirmações do grupo de pesquisadores, mas ponderou que o assunto estava em análise.

Bastaram dois dias para que órgão oficializasse a possibilidade. Na quinta-feira (9), um informe científico divulgado pela OMS passava a considerar o risco formalmente.  A mudança tem impactos consideráveis não só na comunidade científica, mas nas avaliações que precisam ser feitas para retorno de atividades e relaxamento da quarentena. Em uma realidade em que o coronavírus se espalha pelo ar, restaurantes, igrejas, escolas, academias, cinemas e outros ambientes fechados, tornam-se potenciais focos de contágio.

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O risco dos ambientes fechados

A abertura de comércios, serviços e o retorno à normalidade traz ainda mais riscos. Em conversa com o boletim A Covid-19 na Semana, o médico de família Aristóteles Cardona, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, afirma que o momento exige reavaliação urgente das medidas de abertura.

É cada vez mais evidente pela ciência de que são ambientes que podem gerar muito risco.

“Não só esse grupo de pesquisadores, mas outras pesquisas que a gente tem visto, têm chamado atenção para ambientes fechados, que são ambientes onde são gerados muitos conteúdos dessas gotículas que vão pro ar e podem transmitir a doença. O presidente da República, algumas semanas atrás, até tentou colocar academias como um serviço essencial, de modo a pressionar para abrir. Está acontecendo essa flexibilização, essa reabertura e é cada vez mais evidente pela ciência de que são ambientes que podem gerar muito risco. Muita gente pode adoecer a partir daí.”

Foi nesse cenário de alerta para riscos ainda mais potencializados que Jair Bolsonaro divulgou ter sido contaminado pela covid-19. Na terça-feira (7), ele foi a público para confirmar o resultado positivo do exame e, ao conversar com alguns jornalistas, tirou a máscara de proteção.  Apesar de ser um comportamento totalmente contraindicado por especialistas da área de saúde, o gesto está alinhado à postura do capitão reformado ao longo de toda a pandemia. Desde as primeiras declarações públicas sobre o coronavírus, ele minimiza os impactos da doença e faz declarações contrárias ao isolamento social.

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Menos de cinco meses após registrar o primeiro caso, o Brasil caminha para a marca de dois milhões de infectados. Em março, o capitão reformado disse que o governo previa 800 mortes por causa do vírus. O Brasil contabiliza hoje mais de 70 mil óbitos. 

A gente não sabe até quando isso vai e a situação é muito preocupante.

“O governo brasileiro tem que se responsabilizar. Ninguém tem culpa de vivermos numa pandemia, mas essa pandemia exige que sejam tomadas medidas e aquilo que não é essencial a gente tem que evitar. Os números estão crescendo ainda. A gente não sabe até quando isso vai e a situação é muito preocupante. Apesar desse clima que o governo federal tenta gerar de que as coisas já estão se resolvendo no nosso país.”

Sintomas leves

Na quinta-feira  (9), o Ministério da Saúde divulgou uma alteração no protocolo médico para pessoas que sentirem sintomas leves da doença. Agora a recomendação é de que essas pessoas também procurem o médico. A postura tenta evitar que pacientes cheguem ao sistema de saúde já com o quadro grave da doença, o que pode aumentar a ocupação de UTIs e os óbitos.

Nesta edição do boletim "A covid-19 na semana", Aristóteles Cardona relembrou quais sãos os sintomas que devem causar alerta. 

“O que chama atenção são sintomas como febre, dor no corpo, tosse, sensação de cansaço, dor muscular e dor de cabeça. A grande maioria não vai ter sintomas pesados, mas vão precisar usar remédios para dor e febre, repousar, se alimentar bem e beber bastante liquido", explica 

O sintoma da falta de ar, ou fôlego curto chama atenção para a possibilidade de uma gravidade normal. Então, o ideal é que a partir desse sintoma, se busque uma unidade hospitalar”, completa o médico.
 

Edição: Rodrigo Chagas