Após sofrer pressão interna por seus posicionamentos contra Jair Bolsonaro (sem partido), Glauco Carvalho, coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, renunciou à vice-presidência da Associação de Oficiais da PM. Antes de sair do cargo, divulgou uma dura carta criticando o movimento bolsonarista dentro da corporação e o próprio presidente.
"Se apregoo e defendo a democracia, nada mais justo e lícito que pedir minha saída, uma vez que o eleitorado da Associação dos Oficiais é majoritariamente bolsonarista. Não seria justo eu trazer transtornos e percalços à atual presidência, que sempre me tratou com muita lhaneza e cordialidade", explica o militar em sua carta.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Carvalho voltou a atacar Bolsonaro. “Por uma questão de coerência, eu assumi uma postura francamente antibolsonariana, mas anti mesmo. Eu acho que o Bolsonaro é o maior aborto da natureza, é o maior erro histórico que o país cometeu e um atraso institucional imenso.”
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O coronel da reserva conhece Bolsonaro desde os anos 1990, quando trabalhava como assessor político da Polícia Militar e o presidente já era deputado federal. “Eu tenho um péssimo exemplo dele daquela época, era um péssimo exemplo. Ele continua sendo uma criança mimada que não pode ser contrariado.”
Eu continuo sendo um democrata e respeito a contrariedade. Como democrata, acho que com 70% de contrariedade, ele deveria pegar o chapeuzinho dele e ir para casa.
Em sua carta, Carvalho afirma que Bolsonaro “namora” com o golpe militar, mas explica que esse discurso não seria aceito dentro da Polícia Militar. Ainda de acordo com o coronel, embora o movimento bolsonarista seja grande dentro da corporação, há uma insatisfação com as alianças e rumos do governo.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: O que motivou sua saída da vice-presidência da Associação dos Oficiais da PM?
Glauco Carvalho: Por uma questão de coerência, eu assumi uma postura francamente antibolsonariana, mas anti mesmo. Eu acho que o Bolsonaro é o maior aborto da natureza, é o maior erro histórico que o país cometeu e um atraso institucional imenso. Ele não respeita a independência funcional das Forças Armadas, ele não respeita o poder Legislativo, ele não respeita o STF e o poder Judiciário e é uma pessoa despreparada para o exercício do poder e a convivência em democracia.
Bom, e quando ele se viu contrariado, acenou para um golpe de Estado, um golpe militar. Quando eu assumi essas posições de forma mais enfática, fui criticado por um segmento da oficialidade, não a totalidade, mas um segmento majoritário. Se a maioria é contrária aos meus posicionamentos, nada mais justo que eu me retire, antes de trazer mais problemas para a associação.
Ele continua sendo uma criança mimada que não pode ser contrariado.
Eu entendo que uma parte da direção não queria mais que eu me manifestasse. Por 35 anos, eu cumpri o que diz o regimento da Polícia Militar, mas agora estou na reserva e me envergonho do posicionamento do Bolsonaro, quando ele diz que é um ex-capitão, e vale lembrar que é ex porque foi expulso. A sociedade precisa saber que nem todo mundo (dentro da Polícia Militar) compactua com esse comportamento. Eu continuo sendo um democrata e respeito a contrariedade. Como democrata, acho que com 70% de contrariedade, ele deveria pegar o chapeuzinho dele e ir para casa.
Brasil de Fato: Você diz que conviveu nos anos 1990 com o jovem Jair Bolsonaro. Quem era aquele jovem e o que o senhor vê daquele jovem no presidente hoje?
Ele, naquela época, era a mesma coisa que é hoje, uma figura sem solução. Quando jovens, cometemos alguns equívocos na vida que devem ser enterrados. Eu, quando vejo a oficialidade mais jovem cometendo erro, relevo. Mas, o que o Bolsonaro é hoje, ele já era naquela época, uma pessoa irracível e rancorosa. Eu o vi dirigir palavras de baixo calão com generais do exército brasileiro. Essa geração daquela época, tem uma antipatia grande pelo Bolsonaro. Eu tenho um péssimo exemplo dele daquela época, era um péssimo exemplo. Ele continua sendo uma criança mimada que não pode ser contrariado.
A proximidade do Bolsonaro com a família Queiroz, isso gerou uma série de rupturas com o bolsonarismo dentro da Polícia Militar de São Paulo, mas tenho conhecimento de que em outros estados também.
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Brasil de Fato: O bolsonarismo é um movimento que está em ascensão dentro da Polícia Militar? Esse movimento, defenderia o mandato de Jair Bolsonaro?
Uma coisa é um pensamento do indivíduo, outra é o posicionamento da organização. Durante a greve de 1988, aqui em São Paulo, muitos policiais militares da capital aderiram à paralisação. As unidades fiéis ao comando, especialmente o comando de choque, atuou para conter a greve, mesmo que os policiais fossem favoráveis às demandas dos grevistas.
Aqui em São Paulo, especialmente, nós temos uma estrutura funcional muito rígida, com uma Justiça Militar rigorosa e célere. Todos os policiais da greve de 1988 foram demitidos e boa parte foi condenada. O Comando Geral é técnico e fiel aos parâmetros constitucionais, que jamais entraria numa situação como essa (aderir à um levante em defesa de Bolsonaro).
Então, não vejo como uma meia dúzia poderia pegar em armas para defender o Bolsonaro. Internamente, eu diria que o bolsonarismo está enfraquecendo, por alguns motivos. O primeiro deles é a demissão do [Sérgio] Moro. O policial desacredita no cumprimento da lei, mas o Moro significa isso para os policiais, a lei é para todos, inclusive os poderosos.
Estamos em um momento conturbado, mas nós vamos achar as soluções para nossos problemas na democracia, que são mais demoradas, mas encontraremos a solução.
O segundo motivo é a adesão do Bolsonaro ao centrão, que significa, no olhar público, que ele aderiu à corrupção, isso foi um baque. Por último, é a proximidade do Bolsonaro com a família Queiroz, isso gerou uma série de rupturas com o bolsonarismo dentro da Polícia Militar de São Paulo, mas tenho conhecimento de que em outros estados também.
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Brasil de Fato: Após a divulgação da carta, o que você tem escutado? Recebeu apoio ou críticas?
De forma inusitada, eu tenho recebido apoio de segmentos da Polícia Militar, alguns pedindo que eu continue sendo uma voz discordante e da sociedade civil, isso que eu acho mais interessante. Isso é importante para mostrar que há mais gente pensando assim.
Eu estou aliviado, porque quero ter a liberdade de me expressar. Eu fiquei 35 anos em um silêncio absoluto, porque tenho minhas convicções, porque quem ocupa um cargo público não pode se manifestar, principalmente quem exerce o monopólio da força. Agora, na reserva, me dou o direito de me manifestar, especialmente em uma situação como essa, extremamente delicada para o Brasil. Estamos em um momento conturbado, mas nós vamos achar as soluções para nossos problemas na democracia, que são mais demoradas, mas encontraremos a solução.
Edição: Leandro Melito