O Ministério da Saúde (MS) provocou oficialmente a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) a divulgar o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina como tratamento para pacientes que estão nos primeiros dias de sintomas do coronavírus. Imersa em controvérsias, a substância ainda está em estudo no mundo científico e não é recomendada por autoridades da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O MS defende, no ofício, que seria “essencial tomar e divulgar algumas medidas” sobre o tema e cita como exemplo a “prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina mediante livre consentimento esclarecido do paciente” em casos de diagnóstico clínico de covid-19. A orientação vale para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Assinado pelo secretário da Atenção Especializada à Saúde do MS, Luiz Otavio Franco Duarte, o documento data de 29 de junho, mas veio à tona na quinta-feira (16). No ofício, o gestor afirma que o pedido faz parte da estratégia da pasta para “reduzir o número de casos que cheguem a necessitar de internação hospitalar para tratamento de síndromes de pior prognóstico, inclusive com suporte ventilatório pulmonar e cuidados intensivos”.
Procurada pelo Brasil de Fato para tratar do tema, a assessoria de imprensa da Fiocruz enviou nota à reportagem confirmando o recebimento do ofício por parte da instituição. A fundação diz estar “ciente das orientações do Ministério da Saúde sobre o uso ‘off label’ (quando o fármaco é utilizado para uma indicação diferente daquela que foi autorizada pelo órgão regulatório, a Anvisa) da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a covid-19.
A Fiocruz entende ser de competência dos médicos sua possível prescrição”.
A instituição conduz o estudo clínico “Solidariedade”, que analisa a aplicação de drogas destinadas ao tratamento de pessoas com coronavírus. Em entrevista ao portal UOL nesta sexta (17), o coordenador do Núcleo de Epidemiologia e Vigilância da Fiocruz Brasília, Cláudio Maierovicth, disse que a fundação não recomenda a aplicação da cloroquina e da hidroxicloroquina para pacientes com covid-19.
Ele lembrou a falta de estudos que garantam a eficácia do produto e sublinhou que, “pelo contrário, há evidências de que (a droga) não deve ser utilizada”. Alguns estudos apontam o risco de arritmia cardíaca, entre outros efeitos colaterais.
“Mas, se recebe comunicado do Ministério da Saúde, [a Fiocruz] não pode deixar de informar seus profissionais", acrescentou o coordenador, afirmando ainda que “internamente, é conhecido que não tem eficácia” e que “isso não interfere nas pesquisas e estudos desenvolvidos pela instituição e também não significa que a Fiocruz corrobora o conteúdo do ofício”.
Efeitos colaterais severos
Em manifestação pública enviada à imprensa, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) reafirmou que diverge da Fiocruz na aplicação da droga para o tratamento precoce de covid-19. O presidente da entidade, Fernando Pigatto, lembrou recomendação anterior do CNS que pede a suspensão imediata do uso da medicação para a covid.
“Milhares de vidas estão em risco. Os efeitos colaterais podem ser severos. A ciência não pode ser negligenciada. São instituições renomadas que estão alertando, mas o governo parece não se importar”, disse o dirigente.
A conselheira da entidade e coordenadora da Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica (Cictaf), Debora Melecchi, afirma, na mesmo nota, que é preciso ter "embasamento científico".
“A utilização massificada, como vem sendo estimulada no país, contraria qualquer lógica de uso racionalizado de medicamentos. Na prática, afronta e coloca em risco a vida das pessoas. Medicamentos são insumos essenciais à saúde, e não meras mercadorias. Fazer uso correto dos medicamentos é uma receita de saúde”, afirmou.
Edição: Rodrigo Durão Coelho