Depois de cinco anos de debates e muitas divergências, a renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) pode finalmente ser votada na Câmara dos Deputados a partir de segunda-feira (20). Com previsão para acabar em dezembro deste ano, a política se tornaria permanente, se aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 15/15, relatada pela deputada Dorinha Rezende (DEM-TO).
O último parecer apresentado pela parlamentar prevê também medidas como o aumento da participação da União no Fundo, dos atuais 10% para 12, 5% a partir de 2021. O índice aumentaria gradativamente até 2026, quando atingiria os 20%. A proposta inicial apresentada na PEC era de 40%, mas as resistências políticas ganharam fôlego na crise econômica agravada pela pandemia e fizeram com que o relatório terminasse com metade dessa previsão.
A proposta enfrentou duros embaraços durante o governo Temer (2016-2018), quando começou a ser mais fortemente debatida, e agora, na gestão Bolsonaro, empacou na oposição da equipe econômica, comandada pelo ultraliberal Paulo Guedes, e de alguns aliados. Segundo apuração de bastidor do Brasil de Fato, em reunião na última quarta-feira (15) com parlamentares e membros do governo, o ministro chegou a afirmar que a gestão “testará sua base de apoio na Câmara contra o parecer da relatora”.
Apesar disso, a pauta do Fundeb hoje tem adesão “da bancada do Psol à bancada do PSL”. É o que afirma o deputado Bacelar (Podemos-BA), que presidiu a comissão especial de avaliação da PEC e é um dos principais articuladores da medida na Câmara. Ele realça que o debate sobre o tema está maduro na Casa, que realizou mais de 150 audiências públicas sobre a PEC nos últimos anos. As discussões envolveram secretários municipais e estaduais de Educação, governadores, prefeitos, especialistas, entidades estudantis, entre outros grupos.
“Não há precedente, na história da educação brasileira, de um tema que tenha conseguido tanto consenso. O grande problema é que educação não é prioridade no Brasil”, alfineta Bacelar, ao mencionar os seguidos adiamentos da votação.
“Nesta pandemia, já teve auxílio pra cultura, educação, comércio, indústria, desempregado e a educação será o setor, depois de saúde e da economia, que mais sairá fragilizado da pandemia, mas continua sem a devida atenção, por isso eu acho que as cobranças não podem parar, apesar dos apoios que temos. Se a sociedade civil organizada não estiver olhando a votação, os absurdos começam a ser propostos”, alerta o deputado, dando a senha das preocupações que hoje assombram os defensores da pauta, atualmente focados numa intensa campanha popular pela aprovação da PEC.
O grupo anda preocupado com o que Bacelar chama de “corporação fiscalista” e com propostas de parlamentares de linha mais privatista. O receio é de que uma eventual aventura política durante a votação de plenário possa alterar a essência do texto.
Um dos pontos em questão vem de proposta já ventilada por deputados do partido Novo, que chegaram a sugerir a aplicação de um “voucher” com verbas do Fundeb para utilização em instituições privadas que recebam alunos da rede pública. A alegação é de que a medida iria ajudar a modernizar a gestão da educação pública e obter melhor desempenho na formação de estudantes dos ensinos fundamental e médio. A ideia coleciona críticos na Câmara, como o vice-presidente da comissão da PEC, Danilo Cabral (PSB-PE), e pode ressurgir no plenário por meio de uma emenda.
“Não tenho nenhum preconceito com a iniciativa privada, mas a condução da política da educação é dever do Estado. Está lá previsto no artigo 206 da Constituição Federal, e a oportunidade deve ser igual para todos. Nada impede que o ensino privado seja um ensino complementar no país, mas é dever do Estado garantir o acesso à educação pública”, argumenta Cabral.
Salário
Outra eventual surpresa pode surgir a partir das divergências sobre o percentual de utilização de verbas do Fundeb para destinar ao pagamento dos profissionais de educação, que deve subir de 60% a 70%, segundo prevê o texto de Dorinha. O percentual prevê que o financiamento sirva não só para salários de professores, mas também para a folha de pagamento de secretários, porteiros e todos os demais funcionários do setor.
Parlamentares contrários afirmam que a norma engessa o orçamento da educação, deixando os gestores da área com pouca mobilidade para manusear o fluxo das verbas, e podem tentar mudar o texto no plenário. A professora Catarina de Almeida Santos, do curso de Pedagogia da Universidade de Brasília (Unb), considera que, diante da necessidade, o percentual previsto no relatório não seria assustador.
“Em qualquer espaço, o maior investimento que se tem é com pessoal. Tem município hoje que praticamente usa 100% dos recursos que recebe do Fundeb pra pagar professor. Na educação, profissionais qualificados, bem remunerados, que possam se dedicar à escola são fundamentais pra garantia do direito à educação. Sem profissionais estimulados, você não vai garantir isso”, argumenta, acrescentando que as pesquisas internacionais mostram que somente os professores, por exemplo, têm 50% de responsabilidade no processo de aprendizagem, ficando o restante a cargo do esforço do aluno, das condições da escola, etc.
“Não por acaso, o PNE [Plano Nacional de Educação] tem quatro metas vinculadas somente aos profissionais da área, colocando aí formação inicial, continuada, remuneração e carreira. São eles que fazem a escola acontecer, por isso os fundos todos, na verdade, desde o início, foram criados pra valorização desses profissionais, portanto o percentual não é alto demais. A arrecadação de estados e municípios no Brasil é que é baixa. A complementação da União tinha que ser pelo menos 50% e, veja, a Câmara vai votar uma proposta que chega, no máximo, 20%”, compara a professora, que é integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Formado pela junção de outros 27 fundos, sendo 26 estaduais e um do Distrito Federal, o Fundeb financia a educação básica por meio da redistribuição das verbas às unidades federativas. O dinheiro alcança creches, unidades da pré-escola, educação infantil, Educação de Jovens e Adultos (EJA), ensinos fundamental e médio, deixando de fora apenas o ensino superior, que conta com outros tipos de recursos. Somente em 2019, por exemplo, o Fundeb canalizou um montante de cerca de R$ 165 bilhões para estados e municípios.
Corrida
Em meio às dissidências remanescentes sobre o texto, parlamentares favoráveis à aprovação da PEC e atores da sociedade civil organizada que defendem o texto de Dorinha correm contra o tempo para tentar aprovar o quanto antes o relatório, que ainda será apreciado pelo Senado. Por se tratar do parecer de uma PEC, ainda precisa de votação de segundo turno nas duas casas legislativas. Além disso, após a eventual aprovação final e sanção do texto, a medida carece também de uma regulamentação posterior para entrar em vigor.
Diante das dificuldades do cenário político, o passo a passo preocupa a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que pretende pressionar ainda mais os parlamentares durante este final de semana para evitar um novo adiamento da votação. A entidade tem atuado fortemente junto aos atores políticos envolvidos com as discussões no Congresso Nacional e nos estados e, agora, investe especialmente em diálogos com alguns membros de siglas como DEM, PSDB, MDB, PSB e Cidadania, onde há dissidências sobre o parecer da PEC.
“A gente tinha alguns destaques, críticas a alguns pontos do relatório, mas, depois das ultimas semanas, com o ataque muito forte dos privatistas, tomamos a seguinte decisão: o relatório da Dorinha precisa ser aprovado do jeito que está ”, disse ao Brasil de Fato o presidente da CNTE, Heleno Araújo.
Nos bastidores da Câmara, a expectativa de parte dos deputados é de que a proposta seja aprovada na terça (21) ou, no máximo, quarta-feira (22). O início da votação deve ocorrer na segunda, de acordo com o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “A necessidade [de aprovação] é tão evidente, que deve passar com folga”, disse, por exemplo, nesta sexta (17), o presidente da Comissão da Educação da Câmara, Pedro Cunha Lima (PSDB-PB).
Edição: Rodrigo Durão Coelho