A aprovação na Câmara dos Deputados da PEC do Fundeb, o fundo de financiamento da educação básica brasileira, na terça-feira (21), é só o primeiro passo de um longo trajeto até que o recurso extra chegue efetivamente às escolas.
O texto ainda tem que ser apreciado pelo Senado, onde deve receber resistência do governo em alguns pontos específicos, e também precisa ser regulamentado por meio de outras propostas legislativas.
“O Fundeb é a política de fundo, é a política que financia, mas, para que possa ser implementado, tem outras políticas que precisam ser feitas para garantir que esse financiamento vá para a área adequada, seja garantido em termos de qualidade e que tenha controle social, justamente para que ele possa se reverter em melhorias para a qualidade da educação”, explica Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE).
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Custo Aluno-Qualidade
O principal ponto do embate que deve ser provocado pelo governo, tanto na discussão no Senado quanto no processo de regulamentação, deve ser o Custo Aluno-Qualidade (CAQ), um mecanismo para calcular e permitir o financiamento de insumos fundamentais para as escolas.
A inclusão do CAQ no texto aprovado na Câmara sofreu resistência da base governista e do Partido Novo, que, em uma jogada muito criticada por outros parlamentares, pediu a retirada do dispositivo quase no fim da votação na Câmara. Apesar disso, o mecanismo foi mantido na proposta por ampla maioria dos deputados.
Para Andressa, é provável que o Executivo e partidos de centro façam novas investidas contra o Custo Aluno-Qualidade durante a votação no Senado. Segundo ela, o mecanismo não interessa ao governo, já que coíbe barganhas “politiqueiras” ao transformar uma política transitória em um mecanismo de Estado, constitucionalizado.
“Com ele [o CAQ], boa parte dos programas de governo de barganha, de debates para construção de políticas com interesses privados para a educação, cai por terra. É um mecanismo que, historicamente, é muito combatido, que transforma política de governo em política de Estado. Por isso não foi implementado ainda”, diz a coordenadora da CNDE.
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A deputada Professora Rosa Neide (PT-MT) classifica a permanência do CAQ na redação final da Câmara como “uma conquista muito especial”.
O problema da educação é cada governo quer fazer seu plano e termina em quatro anos.
“A gente tem escola de todas as formas no Brasil. Nós temos escolas sem saneamento, temos escolas sem estrutura, sem nenhuma tecnologia. Então, cada estado vai reorganizar seus cálculos, verificar o que falta na educação e planejar. O problema da educação é cada governo quer fazer seu plano e termina em quatro anos. A gente quer de forma perenizada, a longo prazo, conquistando o conceito de Custo Aluno-Qualidade”, comenta a deputada.
Próximos passos
Segundo Rosa Neide, é preciso que os parlamentares agilizem os trabalhos para que a regulamentação esteja pronta até o fim do ano, quando o Fundeb atual expira. As regras, para o Fundeb e para o CAQ, devem ser definidas por meio de projetos de lei.
“Nós vamos fazer um grupo de trabalho inicial, depois uma outra comissão especial, para uma lei de regulamentação. Vamos fazer discussão com o país inteiro. Vai ter bastante conversa e diálogo para se avançar nessa questão”, afirma a parlamentar.
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O senador Flavio Arns (Rede-PR), que acompanhou de perto as discussões sobre o Fundeb, diz confiar que os senadores não vão alterar o texto aprovado pelos deputados.
“Eu diria que a tendência, no Senado, é ratificar o que a Câmara decidiu. Existe um consenso, o que é mais importante é um consenso com a sociedade, com os secretários estaduais, municipais, governadores, prefeitos, conselhos de educação. Todo mundo foi chamado para debater”, contextualiza.
A gente espera que o novo ministro, depois de se recuperar da covid, participe intensamente e ativamente.
Arns pede urgência na votação e, mais do que isso, participação do Ministério da Educação na regulamentação e implementação.
“O mais importante, nesta altura, é o Ministério da Educação se envolver, porque ele não se envolveu o suficiente até hoje. Isso é uma lacuna, porque o ministro anterior [Abraham Weintraub] enviava um representante para participar das audiências, mas sem se envolver no debate. A gente espera que o novo ministro [Milton Ribeiro], depois de se recuperar da covid, participe intensamente e ativamente”, cobra o senador.
É preciso que, também em outras políticas estruturais, essa mesma mobilização aconteça.
A inércia do governo Jair Bolsonaro (sem partido) nas discussões estruturais é também uma cobrança da CNDE. Para Andressa Pellanda, é preciso que a mobilização popular em torno do Fundeb e do Plano Nacional de Educação siga firme.
“É necessário que a mobilização continue, porque a gente só conseguiu essa derrota do governo justamente por conta dessa mobilização social, das comunidades educacionais e também de vários parlamentares, que apoiaram muito essa luta. Mas é preciso que, também em outras políticas estruturais, essa mesma mobilização aconteça. O Plano Nacional de Educação é a principal delas”.
Edição: Rodrigo Chagas