Março de 2020: fronteiras se fecharam, barreiras sanitárias foram construídas grande parte do comércio, a não ser o essencial, esteve de portas abaixadas ou vendendo seus produtos por meio de plataforma digitais. Alguns governos sentiram a seriedade do momento, antes ávidos por cortar gastos e reduzir o tamanho do Estado, tiveram que enfrentar uma crise sanitária de proporções globais e passaram a investir massivamente em equipamentos hospitalares e informações.
Essas e outras mudanças ocorreram, como se sabe, por conta da pandemia do “novo coronavírus”, causador da covid-19, que alastrou-se rapidamente pelo mundo e ocasionou alterações radicais no comportamento social, assim como a Organização Mundial de Saúde (OMS), vinculada à Organização das Nações Unidas/ONU, e a imprensa passaram a nos informar, diariamente, sobre a mencionada pandemia.
Passados quatro meses muitas pessoas pereceram. Até 19 de julho, numa escala global, havia um total de 14,5 milhões de seres humanos infectados, tendo levado a óbito, aproximadamente, 611 mil pessoas, porém é importante mencionar o número de pacientes recuperados/as, algo em torno de 8 milhões de pessoas, tal dado nos indica um expressivo número de pessoas que venceram a Covid-19.
Mercado
Para aumentar o número de pessoas que sobrevivam ao coronavírus é preciso haver mudança na lógica do governo federal e de uma boa parte dos/as empresários/as brasileiros/as, pois a economia e o mercado precisam estar relacionados à vida das pessoas e não ao contrário. No pós-pandemia, no “novo normal”, com o retorno do funcionamento das feiras e de centros comerciais, a reorganização do mercado contará com forte presença do consumo da população negra, segmento social que compõe 56% do total de brasileiros/as e gastam cerca de R$ 1,7 trilhões em produtos e serviços, uma cifra que representa 40% do Produto Interno Bruto/PIB do Brasil, segundo dados divulgados pelo Instituto Locomotiva (IL).
Isso significa afirmar que negros e negras apresentam um grande potencial na retomada da economia. Mas, por enquanto, o que temos acompanhado nacionalmente é a ausência de uma unidade dos entes federados na gestão da crise sanitária e, lamentavelmente, os grupos historicamente excluídos.
Mulheres, crianças e homens negros e indígenas, estão mais desassistidos por conta do racismo estrutural e da falta de políticas públicas específicas para minimizar as desigualdades sociais, pois a pandemia tem intensificado a pobreza e vulnerabilidades das “enfermidades” sociais pré-existentes e impostas pelo capitalismo “ultraliberal” aliado a uma “política da morte”, ou necropolítica, no Brasil de 2020 e no mundo.
A OMS tem orientado para a higiene das mãos com água e sabão para evitar a infecção do vírus. Sem dúvida, um ato de higiene básico, mas que não se mostra ao alcance de todos/as, pois, de acordo com dados do Fundação das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 40% da população mundial, isto é, cerca de três bilhões de pessoas, não têm lavatório com água e sabão em casa, ou seja, mostram-se extremamente vulneráveis e fazem parte de um grupo com alto risco de ser infectado com a Covid-19. No Brasil, de acordo com os dados do IL, esse grupo de vulneráveis e de excluídos/as, economicamente e sem acesso aos serviços básicos, como água, é formado por 60% de pessoas negras.
Na América do Sul, em especial no Brasil, as informações divulgadas pelo Ministério da Saúde, desde 15 de maio não tem um/a titular, nos dão conta que durante o mês de abril de 2020, entre a população branca, as internações caíram de 73,9% para 60,3% e no mesmo período, houve o aumento de hospitalizações da gente negra: de 23,1% para 37,4%.
Outro dado refere-se a diminuição do número de mortes de pessoas brancas de 64,5% para 53,2% e o acréscimo nos óbitos de pacientes negros/as, que passaram de 32,8% para 41,2%. Na primeira semana de maio, a probabilidade de uma pessoa negra morrer vítima da Covid-19 era 62 vezes maior que uma branca, dada a maior vulnerabilidade social de negros/as causada pelo racismo e desigualdades que agravam a situação desse segmento social.
Política pública
Outro ponto é a pré-existência de doenças tais como: pressão alta, diabetes e anemia falciforme (AF) e doença falciforme (DF), quatro das enfermidades prevalentes na população negra, as quais foram oficialmente reconhecidas pelo Ministério de Saúde desde o ano de 2001. Dessas, a diabetes mostra-se como sendo o segundo maior fator de risco que podem levar a óbito de uma pessoas com a Covid-19.
Em relação a AF e a DF, torna-se emergencial a elaboração de protocolos para classificação e risco para as pessoas que tenham tais enfermidades crônicas e havendo um diagnóstico positivo para o coronavírus é fundamental a adoção imediata de medidas específicas. Uma política pública voltada a acolher a gente negra, poderia incluir também esses indivíduos como prioritários, por exemplo, em planos de testagem em massa.
Em tempos de crescimento de discursos racistas e práticas da necropolítica são poucas as chances de adoção de políticas públicas substanciais voltadas para a população negra, com vistas a enfrentar a pandemia causada pelo novo coronavírus. Afinal, temos assistido as altas taxas de mortalidade, muita dor e sofrimento humano que deixam, mais uma vez, uma marca profunda num maior número de pessoas desse grupo populacional.
Para reduzir a letalidade de todos grupos sociais, inclusive da gente negra, é fundamental e urgente a adoção de políticas públicas como a testagem em massa, a assistência de longo prazo, voltada a geração/preservação de renda, sobretudo, de segmentos excluídos social e racialmente, assim como a ações imediatas, a exemplo, da manutenção de campanhas informativas e educativas, para diminuir o número da disseminação do vírus.
*Antonio Baruty é Professor Titular do Departamento de Biologia Molecular/DBM/UFPB. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-Brasileiros e Indígenas/NEABI-CCHLA/UFPB. E-mail: [email protected].
Fonte: BdF Paraíba
Edição: Cida Alves e Rodrigo Durão Coelho