Cerca de 260 dias depois da renúncia do presidente Evo Morales, atualmente exilado na Argentina, os cenários político e eleitoral da Bolívia tramitam em cima de incertezas. Prevista inicialmente para 3 de maio e depois para 6 de setembro, agora a data do primeiro turno das eleições presidenciais está marcada para 18 de outubro, depois de decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) boliviano. Ainda assim, não está descartada a possibilidade de um novo adiamento devido à pandemia de covid-19.
Até esta segunda-feira (27), o Ministério da Saúde da Bolívia havia registrado 71.181 mil casos confirmados e 2.647 mil mortes desde o início da propagação da doença no país que tem 11,3 milhões de pessoas.
Após as Forças Armadas pedirem a sua renúncia, no dia 10 de novembro de 2019, Morales deixou o cargo, para garantir uma saída pacífica, como afirmou na ocasião. O ex-presidente disse que conspiraram “contra a democracia” e que a sua saída foi uma “obrigação de buscar a paz”.
O movimento de Morales foi acompanhado também pela renúncia do vice-presidente Álvaro García Linera. “Policiais perseguiram campesinos. Famílias de trabalhadores foram intimidadas, sequestradas, suas casas queimadas, roupas destruídas. (...) Sou um vice-presidente leal a nosso presidente indígena e campesino”, declarou Linera, naquele momento.
Pandemia ou política?
A decisão em cima de uma nova data não depende apenas da evolução da pandemia, mas também está ligada a uma disputa política. O governo, chefiado pela autoproclamada Jeanine Áñez desde a renúncia forçada de Evo Morales, diz que a data das eleições para 6 de setembro foi uma imposição do partido do ex-presidente, Movimento Ao Socialismo – Instrumento Político pela Soberania dos Povos (MAS-IPSP). "Foi imposta pelo MAS, que tem maioria na Assembleia Legislativa, e por algum candidato opositor como o senhor Carlos Mesa", afirmou Óscar Ortiz, ministro do Desenvolvimento Produtivo.
Em julho, o TSE, pela quarta vez, decidiu adiar novamente a data do dia 6 de setembro para o dia 18 de outubro. Em resposta, líderes do MAS em Cochabamba, a cerca de 400 quilômetros de La Paz, capital da Bolívia, afirmaram que, caso o TSE não voltasse atrás até o último domingo (26), iniciariam uma mobilização permanente a partir desta terça-feira (28). Promessa cumprida: no período da tarde foram registradas manifestações em diversas regiões do país, com o apoio da Central Obrera Boliviana (COB), do Centro Sindical da Bolívia e do Pacto de Unidade. Eles defendem que as autoridades fazem uso da pandemia para esticar o governo interino de Jeanine Áñez.
Atualmente, o ex-ministro de Economia e Finanças Públicas Luis Arce do partido de Evo Morales, MAS, e Carlos Mesa, que apoiou as Forças Armadas na renúncia de Morales, da Comunidade Cidadã, estão empatados com 26% das intenções de voto, segundo a pesquisa de intenções de votos, realizada pela empresa Ipsos para o veículo de comunicação boliviano RTP. Em seguida, aparece a presidente interina e autoproclamada Jeanine Áñez, com 14%, e Luis Fernando Camacho, que também apoiou as Forças Armadas em novembro de 2019, com 9%.
A constituição boliviana prevê um segundo turno caso nenhum candidato consiga a metade mais um dos votos no primeiro turno ou então não consiga ter 40% dos votos com 10 pontos percentuais de diferença em relação ao segundo colocado.
Perfil dos candidatos
Luis Arce é o único nome da esquerda que está na corrida presidencial, o que reflete uma certa unificação desse espectro mesmo diante das investidas sofridas desde novembro de 2019. A existência de três candidatos da direita – Carlos Mesa, Jeanine Añez e Luis Fernando Camacho –, no entanto, demonstra que não há um consenso de um nome nessa ala.
Luis Arce
O nome de Luis Arce foi escolhido pelo Movimento ao Socialismo para dar continuidade ao governo de Evo Morales, visto que este está exilado e não pode se candidatar. Ele foi o ministro de Economia e Finanças da Bolívia em duas oportunidades: a primeira entre os anos de 2006 e 2017 e a segunda desde 23 de janeiro de 2019 até 10 de novembro de 2019, durante primeiro, segundo e terceiro governo de Morales.
Carlos Mesa
Carlos Mesa disputou a Presidência em 2019, sendo o candidato opositor de Evo Morales. No primeiro turno, seus eleitores realizaram um protesto em frente ao hotel em La Paz, onde o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) montou uma base de operações para sistematização e divulgação da apuração dos votos. Na ocasião, cerca de 200 pessoas ameaçam invadir o prédio e gritaram palavras de ordem afirmando que não aceitariam o resultado da eleição, caso Mesa não vencesse ou fosse a um segundo turno com Morales.
Após cinco dias de apuração, Morales foi reeleito presidente da Bolívia em primeiro turno, com 47,04% dos votos. Em resposta, as manifestações da oposição contra o resultado cresceram expressivamente, e Mesa afirmou que “o maior risco para a democracia é a permanência de Evo Morales no poder. Como consequência, pleiteamos de forma democrática e pacífica, a saída de Morales do governo”. Diante do aumento dos protestos violentos e da pressão das Forças Armadas para se retirar da Presidência, Morales renunciou.
Desde então, Carlos Mesa esteve próximo do governo interino e como o sucessor de Jeanine Áñez.
Jeanine Áñez
A autoproclamada presidente interina da Bolívia, do Partido Democratas, chegou ao cargo após a renúncia de cinco autoridades – o presidente da Câmara de Deputados, a presidente do Senado e o vice-presidente do Senado – seguidas das saídas de Evo Morales e Álvaro García Linera.
Opositora de Morales, até então senadora, ela reivindicou para si a Presidência em um sessão legislativa para discutir a sucessão do então presidente, que acabou não ocorrendo por falta de quórum. "Assumo de imediato a presidência e me comprometo a tomar todas as medidas necessárias para pacificar o país", afirmou Añez. Ao deixar o Senado e entrar na sede do governo ela exibiu uma Bíblia e que “que a Bíblia volte a entrar no palácio”.
Depois de assumir a Presidência, ela afirmou que os socialistas “usam mecanismos democráticos e se aferram ao poder, e depois enganam a gente, cooptam instituições, acaba a institucionalidade democrática”. Também disse que seu objetivo era o de “levar adiante o processo e convocar eleições o mais rápido possível".
Luis Fernando Camacho
Conservador, sem católico expressivo, o líder da extrema-direita surgiu em oposição ao então presidente Evo Morales. Logo, ele se tornou um dos coordenadores das rebeliões, em Santa Cruz de La Sierra, a 865 quilômetros de La Paz, segurando uma Bíblia na mão e uma bandeira do país na outra, contra o resultado das eleições de 2019. Entre os bolivianos, ele é conhecido como “Bolsonaro boliviano” e “Macho Camacho”.
Desde então, ele se tornou, em fevereiro deste ano, presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz, a região mais rica da Bolívia, que reúne 200 organizações regionais ligadas a grupos empresariais, associações de moradores e líderes de direita.
“Vamos dar golpe em quem quisermos!”
Todos os três candidatos negam que a escolha do TSE em adiar as eleições sejam para esticar o governo de Jeanine Añez. Também repudiam que a renúncia de Evo Morales faça parte de um golpe promovido pela direita.
Golpe de Musk
Na sexta-feira (24), Elon Musk, diretor da empresa Tesla, dos EUA, no entanto, escreveu em sua conta no Twitter: “Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”. A ameaça foi uma resposta a uma mensagem sobre o seu interesse na renúncia de Morales.
A mensagem que provocou Musk dizia: “Você sabe o que não interessa às pessoas? O governo dos EUA organizando um golpe contra Evo Morales na Bolívia para que você possa obter lítio lá”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho