Uma reflexão do metroviário Altino dos Prazeres viralizou nas redes sociais: embora para grande maioria da população brasileira a pandemia do novo coronavírus tenha representado problemas econômicos e uma batalha pela sobrevivência diária, para outros, a crise sanitária foi sinal de lucro e oportunidade para retirada de direitos trabalhistas de seus empregados.
O coordenador do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Altino dos Prazeres, chamou a atenção do público ao durante uma entrevista ao SPTV, da emissora Globo. Ele respondeu a uma pergunta do apresentador Rodrigo Bocardi sobre a greve dos trabalhadores do Metrô em meio a pandemia.
“Eu pergunto é justo os bilionários deste país ficarem mais ricos no período de pandemia e tirar o direito dos trabalhadores da saúde, do transporte, dos desempregados? A luta dos metroviários foi para resistir, para que a gente mantenha nosso nível de vida e está errado os bilionários deste país ficarem mais ricos, inclusive, no período de pandemia. A pergunta é por que os bilionários ficam mais ricos e os trabalhadores têm que pagar com o custo desta crise? Por isso que os trabalhadores do metrô resolveram fazer a greve”, afirmou Prazeres.
::Bilionários brasileiros aumentaram suas fortunas em R$ 177 bilhões durante a pandemia::
A resposta do representante da categoria veio após o recuo do governo João Doria (PSDB) e do Metrô de São Paulo e a suspensão da greve anunciada pela categoria para a última terça-feira (28).
“Eles perceberam que a greve estava muito forte, mais do que o normal, porque a turma estava muito inflamada com tudo que estava ocorrendo, inclusive, com o corte dos 10% na quinta-feira passada. Fez que o governo recuasse, o Secretário do Transporte lá para 23h começou a procurar o Sindicato para negociar para acertar aquilo que eles não tinham concordado com a gente de manhã”, relata o trabalhador.
Parte da imprensa tenta colocar a população contra os trabalhadores e contra o sindicato.
A reivindicação da categoria não é o aumento salarial, mas a manutenção do acordo coletivo trabalho, vencido no dia 30 de abril, até o fim da pandemia. A administração Doria, em vez disso, propunha novo acordo com redução do adicional noturno, do valor da hora extra, do adicional de risco de vida dos bilheteiros, do auxílio-transporte e um desconto maior no plano de saúde e diversos outros itens da campanha salarial. Ao todo, 18 itens seriam retirados e os benefícios seriam reduzidos em outros 11.
Além disso, na noite da quinta-feira (23), trabalhadores receberam um comunicado por e-mail em que o Metrô informava o corte de 10% nos salários de julho, sem diálogo com o sindicato e sem qualquer menção sobre alterações na carga horária.
“A nossa greve não foi porque a gente quis fazer, foi por uma necessidade. Primeiro a gente não brigou por salário, estava brigando apenas para manter o acordo coletivo e se tem alguém que está errado nesta história são os grandes empresários”, declara o representante do sindicato, que destaca que a colocação do jornalista Rodrigo Bocardi da emissora Globo se tratou de mais um episódio em que "parte da imprensa tenta colocar a população contra os trabalhadores e contra o sindicato".
"A pergunta não é se e justa a nossa luta. A pergunta é se é justo os bilionários ficarem mais ricos com a pandemia e a gente pagar o pato, essa era a pergunta", reitera.
Acordo
O acordo firmado com intermediação da Justiça do Trabalho contempla parcialmente as reivindicações dos trabalhadores, mas, segundo Prazeres, a categoria está “satisfeita”.
“Não é uma vitória de conquistarmos coisas, não é. É uma vitória parcial, porque a gente manteve o acordo coletivo mais pra frente, daqui seis meses, a gente vai perder um pouco. Mas diante da situação a categoria se saiu bem, diante do que estava colocado”, explica Prazeres.
Com o acordo, as reduções salariais anunciadas pelo Metrô devem ser devolvidas nos próximos seis meses e os salários repostos a partir do mês de agosto.
Os demais trabalhadores deveriam estar nas suas casas, mas, infelizmente, isso não aconteceu.
Prazeres destaca que a categoria permanece mobilizada pela proteção dos trabalhadores e dos usuários do Metrô diante da pandemia.
“O sindicato já faz um tempo que avisa que o governo deveria fazer uma quarentena bem mais forte do que está tendo e com o índice de morte que está tendo em São Paulo. Pra nós é estranho o governo querer flexibilizar a quarentena nesse período. O transporte público, particularmente, o Metrô deveria transportar os trabalhadores da saúde, os enfermos e aqueles que fossem extremamente essenciais neste momento. Os demais trabalhadores deveriam estar nas suas casas, mas, infelizmente, isso não aconteceu”, pontua.
Privilégios
A baixa arrecadação da companhia, por conta do fluxo reduzido de pessoas durante a pandemia do coronavírus, foi o argumento do Metrô de São Paulo e do governo de João Doria para os cortes na renda dos trabalhadores.
Mas o sindicato denuncia que a empresa mantém intocadas gratificações de função de 591 funcionários do alto escalão, dos quais 161 teriam salários acima do teto estadual, atualmente fixado em R$ 23.048,59.
Segundo a entidade dos metroviários, apenas a parte dos salários que supera o teto estadual corresponde a um gasto de mais de R$ 630 mil por mês para o Metrô.
Também são questionadas pela categoria gratificações de função que chegariam a R$ 8 mil por mês. São seis diretores, 129 assessores, 185 supervisores, 24 gerentes, 61 chefes de departamento e 186 coordenadores que recebem o valor – um gasto de mais de R$ 3 milhões por mês.
De acordo com um levantamento da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro), esses comissionados correspondem a 7% do quadro efetivo, mas são cerca de 30% da folha de pagamento.
Confira a trajetória dos trabalhadores até chegar na conquista do acordo:
16 de março – Entrega da pauta de reivindicação do novo acordo coletivo
19 de março - Confirmado em São Paulo primeiro caso de metroviário contaminado por coronavírus
20 de março – Decreto da quarentena em SP, Metrô e governo Doria suspende negociações do acordo coletivo
30 de abril – Sem negociação do acordo coletivo, Sindicato recorre a justiça e consegue liminar prorrogação do acordo coletivo vigente no TRT
1 de maio – Vence a data base do acordo coletivo 2019
19 de maio – Metroviários denunciam falta de diálogo do governo Doria e trabalhadores em risco diante da pandemia
27 de maio - Tribunal Superior do Trabalho (TST) suspende a liminar do TRT, metroviários fica sem cobertura jurídica Metrô e governo do estado apresentam pauta liquidando o acordo coletivo com redução de direitos
12 de junho - Metroviários consegue abrir diálogo por meio da Secretária Estadual de Transportes, Alexandre Baldy,
17 de junho - Faleceu o metroviário e diretor do sindicato Armandinho, vítima da covid-19
30 de junho – Metroviários sofrem cortes salariais e redução de direitos em plena pandemia e ameaçam de greve 1 de julho
7 de julho – Greve é suspensa, a categoria aceita a proposta do TRT de dar continuidade as negociações
23 de julho – Metrô e governo de João Doria suspendem negociação e afirmam que haverá corte 10% dos salários dos trabalhadores, além da redução de direitos e benefícios já anunciadas
27 de julho - Metroviários de São Paulo decidem em assembléia online greve já anunciada dia 28 de julho
28 de julho – Metroviários suspendem greve depois de Secretário dos Transportes aceitar proposta do Ministério Público do Trabalho
Edição: Rodrigo Chagas