Nas comunidades, os agentes vão ao encontro das famílias para orientar a prevenção do coronavírus
“O céu tem tédio de estrelas!
Sem ele, tecemos hinos.
Ursa-maior, anda, ordena,
Para nós um céu de vivos.’’(Vladimir Maiakóvski)
Hoje demos início à coluna da Campanha de Solidariedade Periferia Viva de São Paulo no Brasil de Fato. Semanalmente, compartilharemos ações e reflexões que nos movimentam nessa importante e necessária iniciativa de cuidado e organização do povo em tempos de pandemia. Para dar início a nossa troca de experiências, começamos com um tema que tem mobilizado diversas comunidades na cidade de São Paulo (SP) nas últimas semanas: os Agentes Populares de Saúde.
Esses agentes são pessoas moradoras do próprio bairro com iniciativas e disposição de contribuir em tarefas de acompanhar e monitorar famílias da sua região em relação ao impacto, às formas de prevenção e encaminhamentos à rede pública de saúde relacionadas ao coronavírus. Essa é uma iniciativa nacional e parte dos movimentos populares que compreendem e defendem a solidariedade que organiza a defesa da vida do povo, baseada nos valores do cuidado, da organização e emancipação das pessoas.
A doação de alimentos é uma ação importante, mas é preciso também realizarmos um trabalho de educação popular, voltado para nossa humanização. É preciso trabalhar com uma dimensão coletiva e em movimento, com disposição para lutar pela conquista de direitos como acesso à moradia digna, a redução da tarifa de energia e acesso ao auxílio emergencial. A organização e formação dos Agentes Populares de Saúde são um passo importante na campanha Periferia Viva que aponta para um processo de atualização do trabalho de base, onde o povo cuida do povo, a própria comunidade não espera passivamente a doença chegar e se organiza para cuidar de si mesma.
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Mas como isso é possível? A metodologia adotada pelos agentes é simples, mas muito rica. Primeiro, realizamos um curso de formação com moradores do território que têm disposição em se tornar agentes. O curso é dividido em etapas que debatem desde informações básicas sobre o coronavírus e os protocolos necessários para cuidar da comunidade, até os direitos dos moradores em tempos de pandemia.
Desde o primeiro módulo, os cursistas já têm a tarefa de dialogar com os moradores da sua rua e entender a realidade da comunidade para que essa formação se torne o mais efetiva possível. Os agentes populares vão ao encontro das famílias para realizar orientações de prevenção e para monitorar se há alguém com sintomas na casa. Teoria e prática caminham juntas para forjar verdadeiras lideranças comunitárias em torno da prevenção.
Na cidade de São Paulo (SP), temos duas iniciativas em andamento. Uma delas parte da Escola Nacional Paulo Freire, cuja campanha de solidariedade é construída em conjunto com o Levante Popular da Juventude, o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), a Consulta Popular, a Rede de Cursinhos Podemos+ e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Desde abril, a campanha tem atuado nos bairros Boqueirão e Jardim São Savério, na região do Ipiranga, acompanhando cerca de 150 famílias com doações de alimentos, materiais de higiene, agasalhos e acompanhamento jurídico e de saúde.
No dia 18 de julho, a campanha deu início ao curso de Agentes Populares de Saúde no Boqueirão reunindo 11 moradores, cada um deles responsável por acompanhar cerca de 30 famílias do seu bairro. Já na semana seguinte, foi a vez do Jardim São Savério dar o pontapé inicial na formação de mais 11 agentes. Serão três etapas realizadas quinzenalmente em cada bairro, que, a despeito do descaso do poder público, tem demonstrado o compromisso em se defender coletivamente não apenas da pandemia, mas das diversas perdas de direitos vividas no atual momento.
A segunda iniciativa é organizada pelo MST numa realidade bem diferente. O setor de educação e de saúde do movimento, em conjunto com a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, têm construído um trabalho junto a uma ocupação de imigrantes, a maioria de origem africana, localizada na Voluntários da Pátria, Zona Norte da capital paulista.
Cerca de 300 famílias ocupam um hotel abandonado de 10 andares, vivendo em condições muito precárias e com grande potencial de proliferação do vírus. O MST tem acompanhado a ocupação desde o início da pandemia através da entrega de marmitas solidárias, em uma iniciativa de fortalecimento de solidariedade internacional e do elo entre campo e cidade e que também tem acontecido em várias regiões do país.
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No total, 23 moradores de todos os andares do espaço ocupado realizaram o curso, que contou com seis etapas de formação. Além da discussão sobre o coronavírus, os cursistas também debateram temas como o Sistema Único de Saúde e a medicina natural. A formatura ocorreu no último dia 27, sendo um grande marco para essas famílias. A formação de agentes populares não apenas contribui no cuidado e organização dessas pessoas como também pode ajudar na regularização da situação desses imigrantes, já que a iniciativa também gera certificação aos participantes.
A iniciativa dos Agentes Populares de Saúde reúne, não por acaso, gente que compartilha uma história de resistência diária para sobreviver e que sofre as consequências da irresponsabilidade do Poder Público com a pandemia. Na contramão da tragédia que vivemos, a solidariedade emerge aqui como uma nova centelha que acende a chama da construção coletiva, da luta incansável dos trabalhadores. Os homens e mulheres que se dispõem a ser agentes populares são também portadores de esperança nesse horizonte cruel e doloroso que vivemos. Por isso, cada território organizado é um novo front na batalha para manter a periferia viva, de pé e em luta.
Edição: Rodrigo Chagas