Fruto amazônico

Como a "gourmetização" do bacuri pode ameaçar a soberania alimentar da população?

Alimento rico em fósforo, potássio e vitaminas pode custar em Belém (PA), onde é natural, R$ 55 o quilo da polpa

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O gelado de bacuri é uma sobremesa feita junto com massa de banana verde - Tainá Marajoara/Arquivo Pessoal
Seja in natura, transformado em suco ou doce é difícil alguém recusar um prato feito com a fruta.

Entre a infinidade de frutas que a floresta amazônica guarda, o bacuri é uma dos que ganham destaque pelo seu cheiro, sabor e benefícios à saúde. Seja in natura, transformado em suco ou doce é difícil alguém recusar um prato feito com a fruta. Além de seu sabor, ele possui propriedades medicinais que podem ser acessadas por meio do látex do bacurizeiro.

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A cozinheira e produtora cultural Tainá Marajoara classifica o bacuri como uma dádiva da natureza, assim como o conhecimento dos povos tradicionais. 

"Se formos falar das propriedades ele é rico em fósforo, potássio, vitamina C e vitamina B2. Logo, tem uma gama de propriedades nutricionais que ajudam o cérebro, a pele, a circulação, além disso, o bacuri é uma verdadeira delícia, todo mundo pede receitas, mas na minha opinião, a melhor forma de consumir o bacuri é puro. Eu digo que o bacuri e o açaí são duas frutas fabulosas, que acompanhadas, apenas, de farinha já está bom, não precisa de mais nada", diz ela.

O bacuri é o fruto do bacurizeiro e conta com duas espécies conhecidas. Quem mora na região amazônica, sabe que o alimento é escolhido para preparar sobremesas em ocasiões especiais como para o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, por exemplo.

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Isso se deve ao fato de que para quem não tem um bacurizeiro em casa, a polpa do fruto pode pesar no bolso.


Tainá Marajoara é cozinheira, produtora cultural  e defensora do conhecimento dos povos tradicionais. / Foto: Arquivo pessoal

Soberania alimentar

No Pará, o preço de um quilo de polpa de bacuri varia entre R$ 35 e R$ 55. A cozinheira  lembra que o preço elevado pode prejudicar o acesso aos que têm um poder aquisitivo mais baixo. Contudo, ela lembra que a colheita e transporte do bacuri é árdua e as comunidades tradicionais que trabalham com esse fruto têm sofrido com o desmatamento.

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"Com a devastação, os bacurizais estão menores e mais distantes. É necessário também que se compreenda – quem está comprando esse fruto – para onde a renda está sendo destinada, porque ao mesmo tempo em que existe uma elevação do bacuri no mercado, precisamos pensar o quanto dessa renda fica na comunidade, o quanto é distribuída ou será que é só mais um produto espetacularizado para que seja escasseado e o seu valor aumentado para que poucos possam consumi-lo?", questiona. 

O que acontece com o bacuri acontece com outros produtos amazônicos que seguem o mesmo processo. Há uma transformação desses itens em iguarias gourmet e isso consequentemente impacta na soberania alimentar.

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Outro processo que se repete são o grande número de empresas e exportadores, que atravessam o produto comunitário e tratam as comunidades como meros fornecedores. Tainá critica a reprodução, até os dias de hoje, desse mecanismo colonialista que continua a ver a Amazônia apenas como fornecedora de produtos primários sem entender e valorizar que também somos produtores milenares de conhecimento.

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Valorizar o processo e o produto também é uma forma de reconhecer o trabalho de quem está levando o fruto para a nossa mesa.

"Enquanto o pagamento de valores mais altos nos produtos da sociobiodiversidade aumenta o poder aquisitivo da comunidade, aumenta o poder aquisitivo de pessoas em vulnerabilidade social. Porém, não existe essa dedicação pra quê isso seja compreendido que existe sim o fator: soberania alimentar, nutrição e direito à terra, que está diretamente ligada àquilo que se põe pela boca", resume.

Receita de Gelado de Bacuri
 
500g de banana verde
1kg de polpa de bacuri 
200g de rapadura ralada
Óleo Orgânico para untar a panela e uma faca.

Primeiro, unte a faca e a panela com óleo para não grudar a banana. Depois, cozinhe a banana verde com casca e cortada ao meio por 40 minutos em panela de pressão. A banana deve estar coberta pela água.

Retire a casca e bata aos poucos com parte da própria água e a rapadura ralada ou o açúcar orgânico até a mistura ficar homogênea e menos granulada possível. 

Acrescente aos poucos a polpa de bacuri. Depois, leve ao congelador até ficar firme.

A sugestão é servir coberto com farofa de castanhas carameladas e a outra opção é não utilizar o açúcar. E no momento de servir, utilizar mel de abelha nativa.

Edição: Lucas Weber