Destruição

“Ainda tem pessoas desaparecidas no mar e em escombros”, relata brasileiro no Líbano

Até o momento, autoridades libanesas contabilizaram cerca de 135 mortos e 5 mil feridos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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O ministro da Saúde libanês, Hamad Hassan, estima milhares de pessoas feridas com a explosão - Anwar Amro / AFP

Conforme anunciado por autoridades libanesas, são pelo menos 135 mortos e 5 mil feridos, até o momento, em decorrência da explosão de 2.750 toneladas de nitrato de amônio, em uma região portuária da capital do Líbano, Beirute, nessa terça-feira (4).

Até agora, não foi respondido se a causa da catástrofe está ligada a um ataque terrorista, gerenciamento incorreto do material ou outro tipo de acidente, o que deve ocorrer somente após a conclusão das investigações.  

O impacto da explosão chegou a ser sentido a cerca de 200 quilômetros da costa libanesa, na ilha de Chipre. A um quilômetro do epicentro, o jornalista brasileiro Tariq Saleh sentiu o prédio do apartamento em que mora “sacudir”. Parte de seu escritório, que fica a 300 metros do local em que ocorreu o incidente, está destruído, bem como centenas de outros prédios e comércios da região. 

Em entrevista ao Brasil de Fato, Saleh aponta que o número de mortos deve subir, “porque muita gente ainda está desaparecida. Na região do epicentro, tem muita gente que foi jogada ao mar”. 

Nesta quarta-feira (5), diversos grupos de voluntários se organizaram para ajudar na limpeza dos escombros. “Os libaneses se organizaram de forma rápida para ajudar outras pessoas a limparem suas casas, assim como distribuir comida. Há uma rede de solidariedade que se organizou muito rápido pelas redes sociais, então as pessoas estão tentando ajudar como podem”, afirma Saleh, que caracterizou a rapidez dos libaneses como “surpreendente”. 

“Como é um país acostumado, no passado teve alguns conflitos, então as pessoas já criaram essa mentalidade de já imediatamente começar a limpar e a vida segue.”

Resgate

As operações de resgate continuam a procurar feridos e pessoas desaparecidas, o que deve elevar o número de mortos. De acordo com a Cruz Vermelha, que atua na localidade, muitas pessoas foram jogadas no mar e outras estão presas nos escombros. Na região central de Beirute, onde ocorreu a explosão, moram cerca de 750 mil pessoas. O Líbano tem hoje cerca de 7 milhões de habitantes.

Nas ruas, ainda há muitos escombros e rastros de vítimas. Jornalistas que cobrem guerras afirmam que nunca viram algo parecido. países da região e da Europa estão enviando ajuda para o Líbano. A França, por exemplo, está enviando três aviões com equipe de resgate e um hospital móvel.

Segundo Michel Aoun, presidente do país, a capital deve declarar estado de emergência nas duas próximas semanas e caracterizou como “inaceitável” o armazenamento de 2.750 toneladas de nitrato de amônio por seis anos.

“Não vou descansar, como presidente, até encontrarmos o responsável pelo que aconteceu e até baixarmos sanções mais fortes, porque é inaceitável haver um carregamento de 2.750 toneladas de nitrato de amônio em um armazém sem tomar precauções. Isso é inaceitável. Não se pode colocar a segurança dos país e da população em risco”, afirmou Aoun em coletiva de imprensa.

O posicionamento do primeiro-ministro, Hassan Diab, foi no mesmo sentido: "Eu prometo que esta catástrofe não passará sem que os culpados sejam responsabilizados. Os responsáveis pagarão o preço". 

Crise

Segundo o jornalista brasileiro, as pessoas estão relacionando a corrupção e a incompetência das autoridades à explosão. Para Saleh, a reação da população será assinalada como uma extensão do sentimento de insatisfação política que já vinha tomando conta do país. Entre o momento da explosão e esta quinta-feira (6) já foram registradas manifestações contra o governo de Michel Aoun. 

“O país já vem numa crise econômica muito forte, falta de infraestrutura, hospitais sucateados, lotados, por conta da pandemia também. Então falta dinheiro aqui no país. Acho que essa explosão só vai contribuir para aquela sensação de impotência da população olhando para o governo. Isso só vai agravar ainda mais esse senso de falha, de uma país que caminha para um Estado falido”, afirma Saleh.

Conforme dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Produto Interno Bruto (PIB) libanês deve diminuir 12% em 2020, e a inflação deve chegar a 17%. A moeda libanesa, a lira, está desvalorizada em 80%. Segundo dados do início do ano do Banco Mundial, 50% da população do Líbano ficará pobre até o fim do ano. Falta também eletricidade no país, que só chega para a população por duas ou três horas por dia.

A onda de insatisfação levou, em 2019, à demissão do então primeiro-ministro, Saad Hariri, apoiado pelo Ocidente, que foi substituído por Hassan Diab, indicado, inclusive, pelo partido Hezbollah e pelo Movimento Patriótico Livre (FPM), do presidente Michel Aoun.

Contexto político e econômico

Para entender a crise libanesa, é necessário partir do contexto geopolítico da região. Segundo José Arbex, doutor em História Social e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o Líbano é visto como um país estratégico na construção de uma hegemonia local, uma vez que o Hezbollah é a maior força política entre os países da região e um dos principais aliados do Irã e da Síria, contra Estados Unidos e Israel.

“O Hezbollah é visto pelos EUA e por Israel como uma espécie de braço armado do Irã dentro do Líbano e, portanto, existe aí uma questão regional. Ou seja, as dificuldades econômicas do Líbano não podem ser entendidas apenas como o resultado de uma economia, mas é resultado de um interesse geopolítico mais geral, que é a disputa pelo domínio regional do Oriente Médio”, afirma o professor.

Nesse contexto, o governo libanês é pressionado para desidratar o poderio do Hezbollah com impactos econômicos. Um outro exemplo dessa tensão foi o ataque recente israelense à Síria, que terminou com a morte de um membro do Hezbollah. Hoje, as fronteiras estão em alerta.

Em linhas gerais, trata-se de uma história de compromissos políticos pela soberania na região. Desde 1979, ano da Revolução Iraniana que derrubou a ditadura do Xá Mohammad Reza Pahlevi, que era apoiada pelos EUA, o Irã instalou a República Islâmica no território e passou a sofrer com sanções econômicas impostas pelos EUA.

“Tem ali o crescimento de uma potência regional, que é o Irã, que até agora os EUA e Israel não conseguiram impedir e que se movem no contexto de um xadrez diplomático que envolve também a Rússia e a China em favor do Irã e contra os EUA, no sentido da projeção do Irã como uma potência regional. E o Hezbollah nasce, cresce e sobrevive dentro desse contexto. É uma opção religiosa, militar, ideológica, social e geopolítica estratégica.”

Outro fator que avoluma a crise libanesa é o aumento significativo de refugiados sírios no país, o que fez crescer a população do Líbano em aproximadamente 40%, explica Arbex. “Então, a crise dos refugiados no Líbano também funciona como um ingrediente desse cenário geopolítico mais geral que diz respeito à estabilidade do Estado libanês em um contexto de ataques de Israel e dos EUA.”

Acidente ou ataque?

Para o professor, a explosão não parece ter sido um acidente tampouco um ataque do grupo Hezbollah. No entanto, Arbex acha “muito estranho que esse acidente tenha acontecido justamente alguns dias depois de ter ocorrido uma explosão no Irã, em umas instalações militares no Irã, e que o governo Trump intensifica as pressões diplomáticas, militares, políticas e econômicas contra o Irã”. 

A explosão também ocorre após um acordo feito entre China e Irã, no qual o país asiático se compromete a ajudar a nação persa em troca de petróleo, desafiando a política de bloqueio econômico dos EUA ao Irã. “Quer dizer, eu coloco em dúvida se isso aí foi um acidente. Se eu tivesse que apostar em alguma coisa, eu diria que não foi.”

Edição: Leandro Melito