A Guiana, pequena nação da América do Sul, inaugura nesta semana uma nova etapa política com um componente que pode levar o país a uma guinada econômica: a descoberta de jazidas de petróleo consideráveis em seu território. Com a exploração do produto, o país tem potencial de reverter drasticamente a pobreza, mas para isso precisará resolver diferenças históricas entre a população.
Os impactos positivos da exploração do petróleo para a Guiana são praticamente consenso. Organismos internacionais preveem que, mesmo com a pandemia do coronavírus, o país terá um dos crescimentos mais expressivos do mundo em 2020.
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Sem condições de autonomia técnica para o processo, a Guiana atua em parceria com um consórcio internacional, o que levanta o debate sobre como garantir a soberania com a exploração do petróleo. O grupo é formado pelas empresas estadunidenses Exxon Mobil e Hess Corp e pela chinesa CNOOC Ltd.
O professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Igor Fuser afirma que o convênio com empresas petrolíferas estrangeiras é a única solução viável para o país, frente à falta de tecnologia. Mesmo com a presença de companhias do exterior, ele ressalta que as mudanças econômicas para a população tendem a ser consideráveis.
“Isso vai significar uma melhoria nas condições de vida deles, evidentemente. Esse petróleo certamente será distribuído. Uma parte dessa riqueza vai virar uma renda mínima, como existe em outros países com renda petrolífera muito alta e população pequena, que costumam distribuir uma parte da renda do petróleo para os cidadãos. De tal maneira que as pessoas têm direito a uma parte do dinheiro como participação nessa riqueza”, analisa.
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Após um conturbado processo eleitoral, Irfaan Ali, candidato do Partido Progressista Popular (PPP), foi anunciado como novo presidente da Guiana nesta segunda-feira (3).
Segundo Halim Kahn, presidente da Câmara de Comércio e Indústria da região, o contrato de exploração não será revisto pelo novo governo, mas não está descartada a possibilidade de alteração em alguns detalhes, que possam garantir mais benefícios às empresas guianesas.
A percepção é de que, frente à população muito pequena do país, o impacto econômico tem potencial considerável. A arrecadação prevista para 2020 é de US$ 230 milhões e o valor sobe para US$ 2 bilhões em 2024. “Um impulso substancial para um país subdesenvolvido de menos de 800 mil pessoas cujo governo central gastou apenas US$ 1,2 bilhão em 2018", explica Halim.
“O contrato não será renegociado sob o novo governo, embora o partido de Ali tenha criticado a negociação do então presidente David Granger, em 2016, com a Exxon por ser muito generosa. (...) No entanto, Ali não descartou a alteração de outras partes do acordo. Ele disse que os contratos devem facilitar que empresas guianenses forneçam bens e serviços aos exploradores de petróleo", conclui.
Independentemente das condições de exploração do recurso, o professor Igor Fuser avalia que a Guiana está frente a uma oportunidade única, com potencial para mudar o país consideravelmente. Segundo ele, a euforia é justificável pelas perspectivas que a descoberta traz ao povo guianense.
Haverá mais circulação de dinheiro, abertura de novas empresas e incentivo para o desenvolvimento local. Para o continente, contudo, o impacto positivo dependeria do surgimento de correntes de pensamento voltadas para a integração e que não estão colocadas na agenda do momento.
Fuser avalia que, se houvesse um cenário de governos mais progressistas e comprometidos com a autonomia do continente na América do Sul, a descoberta poderia trazer também muitas vantagens ao bloco. Na situação atual, as reservas da Guiana representam “mais um produtor de petróleo no mundo, mais um fator para favorecer os preços baixos, o que é ruim para os outros países petroleiros”, avalia o professor.
“Se houvesse um contexto sul-americano, como já houve alguns anos atrás, de governos progressistas e que buscassem uma inserção autônoma da região no mundo, sem dúvida essa seria uma excelente notícia para a região. No entanto, no quadro que a gente tem, de uma região completamente fragmentada, uma maioria de governos reacionários e aliados incondicionalmente aos Estados Unidos, a gente não pode comemorar esse golpe de sorte. A tendência é a Guiana seguir o seu caminho.”
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Disputa política
A demora de cinco meses na finalização do processo eleitoral sinaliza o tamanho do desafio para a superação das diferenças políticas na Guiana. Após os primeiros resultados, houve questionamentos por parte do até então presidente David Granger, derrotado nas urnas por Ali.
Granger tem apoio de boa parte da população que descende de países africanos, enquanto Ali é o preferido dos guianeses com origem na Índia. A presença das duas populações na região data da colonização britânica, o que mostra que os embates são antigos.
O presidente da Câmara de Comércio e Indústria da região, destaca a experiência do novo presidente, que apesar da pouca idade (Irfaan Ali tem 40 anos) já foi ministro responsável pelas pastas da Habitação e Água e do Comércio, Indústria e Turismo.
Halim ressalta: “Em primeiro lugar, seria ótimo se ele reconhecesse que revitalizar a economia começa em dar às classes mais pobres a oportunidade de ter mais em seus bolsos, reduzindo os impostos sobre o que é necessário para a sobrevivência, o que colocaria mais renda disponível em suas mãos.”
Entre as estratégias para a redução da pobreza divulgadas na campanha eleitoral, Ali prometeu a criação de 50 mil novos empregos, distribuição de 50 mil lotes residenciais, 20 mil bolsas de estudo online e aumento nas aposentadorias. Há registros que o déficit habitacional diminuiu durante a gestão dele no Ministério da Habitação e o assunto deve seguir entre as prioridades da gestão.
“É necessário treinar trabalhadores para preencher as muitas lacunas no mercado de trabalho. Os graduados do ensino médio devem ser educados para competir nas áreas acadêmicas, de habilidades e tecnológicas", complementa Halim.
A percepção é de que o foco na formação de mão de obra qualificada e na educação do povo terá impacto direto nas condições para que a população se beneficie ainda mais da descoberta do petróleo. Halim cita o estabelecimento de um Banco Nacional e incentivos para novos negócios.
"Ali deve melhorar o acesso ao financiamento para investimentos, as provisões de mais incentivos para pequenas empresas e jovens empreendedores, incluindo linhas de microcrédito. Isso, juntamente com a criação de empregos, ajudará na redução da pobreza", finaliza.
Edição: Leandro Melito