É urgente a responsabilização do Estado na assistência à crescente população idosa brasileira
Por Elizangela Maria Martins*.
Uma pesquisa da Fiocruz, realizada entre abril e maio deste ano, em pleno período de isolamento social, comprovou que 36% dos idosos e idosas brasileiros que ainda tinha um emprego formal ficaram sem renda na pandemia. No grupo dos informais, esse número pulou para 55%.
A discussão sobre o retorno às aulas também é tratada pela mesma Fiocruz como uma ameaça à vida de 5,4 milhões de pessoas idosas que convivem com, pelo menos, um menor em idade escolar. Sabe-se que idosos morrem mais, posto que são mais vulneráveis às consequências da doença decorrente do coronavírus, a covid-19.
Essa situação é agravada na pandemia no Brasil, diante da nítida ausência, por parte do Governo Federal, de políticas públicas de saúde capazes de reduzir os impactos da covid-19 na vida das populações mais vulneráveis.
A pandemia encontrou uma tempestade perfeita: Estado irresponsável, indefinição de políticas de proteção da vida, pouco investimento público e uma crescente população idosa precisando de cuidados.
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A Emenda Constitucional 95, de 2016, conhecida como PEC do Teto dos Gastos Públicos, conseguiu reduzir no orçamento R$ 692 milhões estabelecidos pela Constituição Federal para efetivação de direitos por meio de políticas públicas para a pessoa idosa. A medida assinada pelo então presidente Michel Temer (MDB), idoso com condições financeiras de se cuidar, condiciona, por 20 anos, o investimento público em Saúde ao reajuste da inflação.
Levantamento do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), em colaboração com pesquisadores da Universidade de Stanford e do Imperial College de Londres, demonstra que mortes precoces devem aumentar 8,6% no Brasil até 2030, causadas, principalmente, por doenças infecciosas e deficiências nutricionais em pessoas com até 70 anos. O número equivale a um aumento de quase 50 mil óbitos considerados evitáveis.
Como muitos direitos conquistados por muita luta no Brasil, a assistência social também é recente. Por um longo período essas políticas públicas não existiam no país. A Constituição Federal de 1988 incluiu a assistência social no rol de direitos e garantias fundamentais.
É urgente a responsabilização do Estado na assistência à crescente população idosa brasileira. Se já é possível observar aumento das violações de direitos humanos no país, a pessoa idosa sofre duplamente, considerando as atuais transformações no contexto familiar e a perda de capacidade de prestar assistência e cuidado.
O financismo neoliberal acrescentou mais riscos à sobrevivência dos velhos e velhas mais pobres. A Reforma da Previdência (PEC 6/2019) — perversamente aprovada um dia antes do Dia Internacional do Idoso — celebrado em 1º de outubro, aumenta a idade de acesso a benefícios e altera, para pior, o direito à previdência social.
Entender o envelhecimento precoce que ocorre na classe trabalhadora rural, entre aqueles e aquelas que estão no mercado informal, como também os que estão no mercado formal com alta pressão de produtividade, nos permite compreender como esse modelo social e de trabalho tem deteriorado a saúde de grande parcela da classe trabalhadora, portadora de doenças crônicas e consequentemente com maior índice de incapacidades e de dependência na velhice.
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O absurdo que vale nossa indignação é que essa degradação é acelerada e precoce porque grande parte dessas doenças podiam ser tratadas e muitas vezes nem gerar incapacidade. No entanto, a dificuldade do acesso ao sistema público de saúde, não garantindo acesso ao tratamento, além da ausência de uma alimentação saudável, contribuem determinantemente para essas incapacidades.
Portanto, lutar por um futuro de esperança para este país é lutar pela ampliação do Sistema Único de Saúde (SUS), por investimentos crescentes no Sistema Único de Assistência Social (Suas) e por educação, direitos sociais e prevenção de doenças.
Denunciar o que está ocorrendo agora com as pessoas idosas é um compromisso de qualquer pessoa que se diga democrata. Somente assim podemos sonhar com uma primavera que, se não perfeita, será aquela fruto de nossa luta. Como diria o poeta baiano Sérgio Sampaio, "o pior dos temporais, também aduba o jardim".
*Estudante de Direito. Educadora Popular e Feminista. Membro do Grupo de Estudos sobre o Envelhecimento Humano na perspectiva da Totalidade Social (GEEHPTS). Coordenadora de Projetos do Centro de Desenvolvimento e Cidadania. Assessora Técnica do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa de Olinda.
Edição: Rodrigo Chagas