Há quase cinco meses em casa, crianças e adolescentes das redes municipal e estadual de ensino do Rio do Janeiro deixaram de ter a refeição completa que tinham nas escolas antes da pandemia da covid-19. Apesar de o estado, a capital fluminense e diversos municípios terem implementado programas de cestas básicas enquanto as aulas estiverem suspensas, as medidas parecem não funcionar para muitas famílias.
Merendeira da rede municipal, Patricia Silva Gomes dos Santos tem três filhos matriculados em escolas públicas. O mais novo, de 10 anos, estuda na Escola Municipal Professor Augusto Paulino Filho, no Méier, bairro da zona Norte do Rio, e até hoje não recebeu nenhuma cesta de alimentos em substituição às refeições que tinha na escola.
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"Minha filha é funcionária pública e merece respeito. Ela tem quatro filhos em casa para alimentar e o marido está desempregado e doente. Um dos meus netos tem 14 anos, fez uma cirurgia no coração no ano passado, tem vida restrita, precisa se alimentar direito e não pode nem pensar em pegar coronavírus. Quem está ajudando sou eu, mas a gente se sacrifica", conta a mãe de Patrícia, Márcia de Oliveira Jacintho.
A situação acima não é um caso pontual. Nos últimos meses, a Defensoria Pública do Estado do Rio (DP-RJ) recebeu milhares de denúncias sobre cestas com quantidade de alimentos que não corresponde ao que era fornecido nas escolas. As denúncias são de alimentos estragados, fornecimento intermitente ou que nunca chegaram às famílias dos estudantes. Elas envolvem escolas das redes estadual e municipal, mas a capital concentra 96% das reclamações.
"Estamos falando de famílias, em sua maioria, pobres, com muitos dos seus direitos desrespeitados e cuja soma desses direitos as torna vulneráveis e coloca em risco a vida de crianças e adolescentes. Nem o mais elementar está sendo respeitado. A rede municipal do Rio é a maior da América Latina, com mais de 640 mil alunos. Multiplique isso pelas pessoas que vivem na casa de cada um e veremos o tamanho desse problema. É um efeito dominó", afirma o Ouvidor-Geral da Defensoria Pública, Guilherme Pimentel.
Justiça
A Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDDICA), da DP-RJ, está compilando os dados sobre as denúncias e vem se reunindo frequentemente com as mães e pais de alunos para buscar solução junto ao poder público.
Uma das vitórias da Defensoria ocorreu no fim de maio, quando a Justiça do Rio obrigou o governo estadual e o município do Rio a garantirem alimentação para todos os alunos de suas escolas públicas durante as medidas de distanciamento adotadas para combater a covid-19.
"Como as denúncias não pararam de chegar, a 1ª Vara da Infância e Juventude duplicou para R$ 20 mil por dia a multa aplicada ao estado e ao município por descumprir a liminar que garante alimentação aos estudantes da rede pública. Agora, a Defensoria luta para que a decisão seja efetivada. A decisão está há mais de dois meses vigorando, mas o poder público continua não cumprindo", observa Guilherme Pimentel.
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Na segunda decisão, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), desembargador Cláudio de Mello Tavares, destacou que "é dever do Estado a manutenção segurança alimentar dos estudantes e dos aportes nutricionais diários necessários para o seu desenvolvimento sadio, com a distribuição imediata para esses alunos dos eventuais gêneros alimentícios que estiverem em estoque”.
“É inadmissível a omissão governamental na efetivação de direitos fundamentais expressamente previstos na Constituição da República e legislação ordinária. As medidas essenciais não podem ficar subordinadas, em seu processo de concretização, à avaliação meramente discricionária da Administração Pública, afastando-se do dever constitucional que lhe foi imposto. O juízo de conveniência e oportunidade não pode comprometer direitos básicos e de índole social”, escreveu o presidente do TJ do Rio.
Respostas
A Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) do Rio de Janeiro informou que estava destinando todo recurso para alimentação dos alunos na aquisição de produtos alimentícios, que estão sendo distribuídos para todos os alunos da rede pública estadual e que para cumprir a decisão judicial "teve que alterar o critério de distribuição que vinha fazendo para alunos enquadrados no perfil de extrema pobreza e que integrassem programas sociais".
Ainda segundo a Seeduc, "as direções dos colégios estaduais estão realizando consultas a toda comunidade escolar para um levantamento dos estudantes interessados em receber esses alimentos, que estão sendo repartidos de forma igualitária entre os cadastrados de cada unidade de ensino".
Já a Prefeitura do Rio afirma que já entregou mais de 500 mil "kits merenda" e mais de 50 mil cestas estão previstas para serem entregues aos responsáveis dos estudantes na semana que vem. "É fundamental que as famílias compareçam exatamente nas datas, locais e horários marcados pela Secretaria Municipal de Educação para que a distribuição ocorra de forma organizada. Foram mais de 2,4 toneladas de alimentos repassadas para os alunos da rede municipal".
A Prefeitura disse, também, que vinha mantendo as escolas municipais abertas para oferecer merenda durante os primeiros dias de suspensão das aulas e que a Secretaria Municipal de Educação entregou 1.500 cestas básicas para famílias dos alunos que foram almoçar quando as unidades escolares ainda estavam abertas oferecendo refeições – antes de a justiça determinar o fechamento das unidades em função da pandemia.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Rodrigo Chagas e Mariana Pitasse