SEM VENENO

Além de garantir o doce da fruta, produção orgânica gera novas relações de trabalho

Especialistas explicam as diferenças entre os tipos de plantio e quais benefícios para a saúde do corpo e da sociedade

Ouça o áudio:

Produção orgânica e agroecológica do MST em Alagoas, busca uma alternativa saudável para o corpo e para a sociedade. - MST Alagoas
O grande projeto é possibilitar orgânicos para todas as pessoas, afirma agricultora

“(...) No pé que as coisa vão Jão
Doideira, daqui a pouco resta madeira nem pro caixão
Era neblina hoje é poluição
Asfalto quente queima os pé no chão
Carros em profusão, confusão
Água em escassez bem na nossa vez
Assim não resta nem as barata (é memo)
Injustos fazem leis e o que resta p'ocês
Escolher qual veneno te mata (...)”

A música Passarinhos do rapper Emicida sinaliza qual é atual contexto de degradação do meio ambiente no planeta. Em um dos versos da canção, ganha destaque algo que o Brasil é líder: o uso de agrotóxicos. Listados como um dos recordes mais preocupantes do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) – em seu primeiro ano de mandando houve a maior aprovação de agrotóxicos nos últimos 14 anos –  a liberação de pesticidas causa impacto na natureza e, principalmente, na saúde humana.

::Mesmo com pandemia, governo Bolsonaro já liberou 150 novos agrotóxicos este ano::

Segundo informações do DataSUS, o contato direto com venenos agrícolas foi apontado como razão da morte de 700 pessoas por ano na última década.  O momento da contaminação pelos venenos é variada. Vai desde as primeiras etapas da produção, passando pelo transporte e chegam ao consumidor por meio dos alimentos contaminados 

Por isso o debate de uma alimentação saudável e livre de venenos tem ganhado cada vez mais força. Uma das opções é o orgânico, que de acordo com o Guia Alimentar da População Brasileira, consiste em todo alimento de origem vegetal ou animal produzido a partir de recursos naturais e livre de contaminantes.

A própria OMS (Organização Mundial da Saúde) também traz dados que o consumo de alimentos orgânicos diminui o índice de doenças, que são consideradas enfermidades de padrão moderno, ou seja, que a partir de um modo de vida escolhido faz com que haja uma aceleração, principalmente de doenças crônicas não transmissíveis. 

::Após aprovação de PL para agricultores, movimentos pressionam por sanção de Bolsonaro::

A informação é da nutricionista Bianca Blanco, que atua no IFSP (Instituto Federal de São Paulo) como Nutricionista em Alimentação Escolar e é membro da diretoria da Apan (Associação Paulista de Nutrição), filiada a Asbran (Associação Brasileira de Nutrição). Ela explica que o consumo de orgânicos é mais benéfico para a saúde porque garante um maior aporte de nutrientes.

“Existem alguns trabalhos, por exemplo, mostrando que cenouras, tomates orgânicos chegam a ter mais de 20% de beta caroteno quando cultivados e comparados em relação a cultura convencional. Quando a gente não usa o fertilizante, a gente acaba favorecendo com que haja esse produto com maior teor nutricional.” 

:: "Solidariedade é mais do que dar o que sobra, é dar o que temos", diz camponês do MST :: 

O fato se deve a utilização de abudos naturais e a menor concentração de água na composição do orgânico – alguns produtos chegam a ter 20% menos de água. Isso faz com que os nutrientes fiquem muito mais concentrados no alimento, daí sua riqueza nutricional e seu sabor acentuado.

“Isso também dá mais sabor a esse alimento, porque eles têm, por exemplo, maior teor de açúcar.  Esse sabor mais adocicado garanta uma palatabilidade para o consumidor final e a gente percebe isso até numa relação de coloração desses produtos, que acabam sendo um pouco menores, mas acabam sendo muito mais saborosos na hora da gente degustar”, pontua Blanco.  

:: Quintais produtivos provam que alimentos orgânicos podem estar na porta de casa :: 

Outros impactos positivos do consumo de orgânicos citados pela nutricionista é o aumento da sua produção, que traz reflexos na proteção de ecossistemas contra os venenos, que também poluem a terra e a água, e pode gerar renda para pequenos agricultores.

Orgânicos e Agroecologia 

Entretanto Débora Nunes, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e integrante do setor de cooperação, produção e meio ambiente, chama atenção ao fato de que a produção de orgânicos tem criado um nicho de mercado, “porque os alimentos iam para venda com um preço muito alto e quem quisesse comer alimento sem veneno teria que pagar mais por isso”.

Para ela, neste momento, o sistema de produção capitalista também já se apropriou dessa “tendência de consumo”.

“O orgânico está muito relacionado a não utilização do agrotóxico na produção, mas as relações humanas, produtivas, que envolvem esta produção não necessariamente são saudáveis. Inclusive, o próprio agronegócio pode produzir quando lhe convém justamente para atender esse mercado que tem um poder aquisitivo mais alto e que se dispõe a pagar mais para um alimento que não tem veneno. O próprio agronegócio assume uma parcela dessa produção, porque gera lucro”, alerta.

:: Coletivos levam comida saudável a “desertos alimentares” em São Paulo :: 

Ela atua na região do município Atalaia (AL) há 70 quilômetros da capital Maceió, em que, desde de 1997, o Movimento atua na contramão da monocultura do açúcar, e agora eucalipto e soja, que prevalece no estado. 

Moradora do Assentamento Chico do Sindicato, Debora Nunes afirma que atualmente no estado são 5 mil famílias nos assentamentos e acampamentos. Ela explica que a saída adotada para a produção de alimentos saudáveis, não só para a saúde mas como para a sociedade como um todo, foi a ampliação da visão da produção por meio da agroecologia.

::Conheça o feminismo camponês popular, pauta das mulheres sem-terra::

O que a agricultora define como “modo de vida” significa um sistema de produção que envolve a partilha da terra, preservação do meio ambiente, valorização da cultura local, organização e relações sociais. 

“A agroecologia está além de um modo de produção que tem todos esses aspectos da diversidade produtiva, da valorização e preservação das sementes tradicionais, o aspecto da soberania alimentar dos produtores. A agroecologia também tem tudo a ver com o modo de vida, que nós decidimos e que nós construirmos. Por isso que as relações humanas e sociais também implicam nessa construção. A gente pode até dizer que a agroecologia é também uma produção orgânica, mas ela vai muito além”, explica.

:: Liberação de agrotóxicos atende interesses do mercado, diz especialista em agronomia :: 

Apesar de políticas públicas regionais e estaduais que priorizam o agronegócio, os assentamentos da Reforma Agrária seguem na contramão. A produção de alimentos saudáveis, como a macaxeira, a batata, a galinha de capoeira, ovo, queijo, leite, milho, hortaliças é direcionada para o consumo da própria comunidade de agricultores e também é vendida nas feiras locais.

::Cooperativa de assentados no PR usa agroecologia para deixar açúcar rico em vitaminas::

Embora reconheça que o orgânico é um processo de transição importante para eliminar os agrotóxicos da produção, Nunes ressalta que a defesa da agroecologia se trata de um projeto para agricultura e também como parte de um projeto para a sociedade, que possibilita a alimentação saudável como um direito de todos.

“Uma grande questão que nós podemos refletir entre o orgânico e o agroecológico, é que o orgânico está direcionado a parcela muito pequena da sociedade, que tem o poder aquisitivo, que consegue pagar muito mais caro por aquele alimento que é produzido sem veneno. O grande desafio nosso, inclusive, porque esse é nosso projeto de sociedade é que todas as pessoas tenham direito ao alimento saudável”, declara.

Edição: Lucas Weber