E havia as simpatias, para garantir um bom futuro ao pimpolho
Vendo uns livrinhos infantis, fiquei com pena da cegonha. Coitada, não tem mais vez. Foi desbancada pelos fatos, por uma nova era em que certas fantasias foram desprezadas e até demonizadas.
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Até algumas décadas atrás, dizia-se às crianças que a cegonha trazia os bebezinhos do céu para a casa da gente. Depois começou aquela história mais ou menos assim: “O papai coloca uma sementinha dentro da mamãe, a sementinha cresce e vira um bebê”.
Agora, se bobear, pirralhos nos dão aulas sobre como produzir um bebezinho, caprichando nos detalhes. Se você falar que quando criança acreditava que a cegonha é que trazia bebês, uma criancinha qualquer vai lhe dizer, com certeza: “Como você era bobo!”.
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Mas tem uma coisa: quando “descobríamos” a forma de produção de uma criança e continuávamos fingindo para os pais que acreditávamos na história da cegonha, nos sentíamos uns malandrinhos muito espertos, safados. Era divertido.
E havia as simpatias, para garantir um bom futuro ao pimpolho. Minha mulher me disse que, na sua família, para o primeiro banho não podia faltar um objeto de ouro dentro d’água. Isso garantiria ao bebê banhado um futuro com boa grana.
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Na minha família, nunca fizeram isso: não existia nenhum objeto de ouro na minha casa. Nem um anelzinho, nem um brinquinho. Mas fazia-se outras simpatias.
Meu irmão mais velho gostava muito de roça, se pudesse ia ser criador de gado. Minha mãe garantia que esse gosto se devia a uma simpatia: quando o umbigo dele caiu, ela deu para uma vaca comer. Outro irmão sempre foi muito bom de escola, tirava dez em tudo. E minha mãe tinha uma explicação, também: “A primeira unha que cortei dele, coloquei dentro de um livro”.
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Perguntei a ela o que tinha feito com meu umbigo e minha primeira unha cortada. Ela pensou, pensou, pensou, e respondeu: “Não me lembro. Acho que joguei fora”. Aí respondi: “Então tá explicado: não é à toa que gosto de vagabundagem".
Edição: Lucas Weber