Criminosos atearam fogo nas áreas do acampamento Quilombo Campo Grande, em Minas Gerais, na tarde desta quinta-feira (13), com o objetivo de retirar as famílias que resistem à reintegração de posse há mais de 30 horas. A denúncia é do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que levanta suspeita sobre a participação da própria Polícia Militar no caso.
Ao longo da manhã, a Escola Popular Eduardo Galeano foi destruída por um trator. Além da escola, um barracão coletivo onde moravam três famílias também foi despejado no dia anterior, quando a ação de reintegração contra 450 famílias sem-terra teve início.
Apesar do governador Romeu Zema (Novo) ter declarado em suas redes sociais nesta quarta-feira (12) que o governo estadual era a favor do adiamento da remoção dos sem-terra, as forças policiais permaneceram no local que é ocupado há 23 anos e referência em agroecologia na região.
No entanto, poucas horas após o tuíte de Zema, a angústia voltou a atormentar as famílias. De acordo com o MST, o governador alega que a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social encaminhou o pedido de suspensão à comarca de Campo Gerais, que, por sua vez, não aceitou o pedido.
O oficial responsável pelo despejo informou ao movimento que a ação iria continuar caso não houvesse uma ordem de suspensão de forma oficial. Em resposta, os advogados do MST entraram com um pedido no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para reverter a ordem de despejo.
A Polícia Militar de Minas Gerais, por sua vez, alega que a afirmação não procede. A corporação divulga um vídeo no qual um homem, que seria um civil, ateia fogo no local. A corporação também afirma que três policiais foram encaminhados ao socorro médico após terem sido atingidos pela fumaça.
Tuíra Tule, da coordenação estadual do MST, denuncia a ostensividade da polícia e a responsabilidade do governador sobre o conflito.
“Nós seguimos aqui, em vigília. Estamos sitiados pela polícia. Ontem tivemos aqui um aparato de mais de 150 policiais. Chegaram mais de vinte carros policiais para dar reforço Estamos aqui em resistência. Queremos denunciar a covardia do governo Zema”, afirma a sem-terra.
“Precisamos o apoio de toda sociedade. De Minas Gerais, de Brasil, do mundo. Estamos firmes aqui e daqui não vamos sair”, reforça a dirigente.
O movimento alerta que mais de 200 policiais estão na área do acampamento neste momento e que a repressão contra as famílias pode ocorrer a qualquer momento.
Produtos destruídos
O acampado Wellington Fagundes lamenta que, com a reintegração, todo o trabalho dos últimos meses plantando milho, café, pitaia e outros produtos agroecológicos será destruído.
Morando no Quilombo Campo Grande com a esposa e dois filhos, de nove meses e cinco anos de idade, ele lembra que, nas últimas semanas, se dedicou a cultivar cinco mil mudas de café para a produção do Café Guaií, carro-chefe do acampamento.
“Estão lá e eles vão passar o trator por cima. Eu gastei dois dias pra coar toda a terra, depois mais um para misturar, e na outra semana minha esposa me ajudou a encher os saquinhos. Tenho uns quinze dias de serviço lá. Não é fácil”, desabafa.
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O agricultor ressalta que o futuro dele e de sua família está em risco. “Com isso aí [com o despejo], eles matam o sonho da gente. Aqui eu tenho certeza que da terra eu consigo dar estudo pros meus filhos. Tenho um menino de cinco anos e quero pagar faculdade pra ele. O maior sonho meu é ver um filho estudado”.
Eu tô aqui pra trabalhar na roça, não sou da cidade.
Sem a terra para morar e produzir, o agricultor de 42 anos, que planejava cultivar uma horta de legumes e verduras com sua esposa e comercializar nas feiras da cidade, não acredita que receberá ajuda suficiente do governo para manter condições básicas de sobrevivência.
“Eu tô aqui pra trabalhar na roça, não sou da cidade. Eles fazem o que tão fazendo, vão pagar o aluguel e depois de uma semana joga a gente na rua”, critica.
Pressão política
Dezenas de parlamentares, incluindo o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (Cdhm) e presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos solicitaram uma reunião emergencial com Romeu Zema para discutir a suspensão da reintegração.
A deputada estadual Leninha Alves (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minhas Gerais, criticou a atuação do governador em vídeo publicado em suas redes sociais.
“Não podemos tolerar, não podemos permitir essa ação policial, cumprindo uma ordem da Justiça por vontade da magistratura local que se nega a aceitar os documentos emitidos pela Comissão dos Direitos Humanos solicitando a suspensão desse despejo. Queremos apelar para o governador Zema: não seja um genocida, não coloque em risco a vida das famílias que só querem produzir”, declarou .
A continuidade desse despejo, hoje, está extrapolando a área prescrita para ser reintegrada.
O bispo auxiliar da arquidiocese de Belo Horizonte, Dom Vicente Ferreira, também se pronunciou contra o despejo. O religioso afirmou estar “indignado e estarrecido” com a continuidade da reintegração de posse.
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“Venho clamar, mais uma vez, insistentemente, pela suspensão do despejo. A continuidade desse despejo, hoje, está extrapolando a área prescrita para ser reintegrada. Quanto o Estado está gastando com essa operação? Inibindo as pessoas, cercando a cidade. Quantas pessoas estão sendo infectadas pelo coronavírus? Basta de despejo”, posicionou-se.
Não é possível fazer um despejo na pandemia. É sinal de covardia
Já o deputado federal Rogério Correia (PT-MG) solicitou ao Congresso Nacional que se manifeste em defesa dos sem-terra que estão sendo despejados em meio à pandemia.
“As famílias estão cercadas por tropas de choque, helicóptero, em plena pandemia. A posição do Supremo Tribunal Federal e do próprio Tribunal de Justiça é para que não se faça isso nesse período. Crianças foram retiradas da escola onde estavam com os adultos. A situação é muito grave. O pedimos que nós fazemos é de socorro”, disse, direcionando-se ao plenário em sessão online nesta quarta (12).
“Não é possível fazer um despejo na pandemia. É sinal de covardia. Pedimos à base do governo Zema que possam intervir nesse sentido”, continuou.
Apoio popular
A hashtag “Zema Covarde” entrou nos trending topics mundiais nesta quinta (13), em apoio à resistência dos moradores que estão há mais de 30h em vigília no acampamento.
Protestos contra a omissão do governador também foram registrados em diversos pontos do estado de Minhas Gerais. Em Itatiaiaçu, por exemplo, famílias sem-terra do acampamento Maria Conceição protestaram em frente às lojas da rede Zema em defesa das famílias do Quilombo Campo Grande, localizado no município de Campo do Meio.
Em Governador Valadares, outros integrantes do MST se manifestaram em frente à Câmara Municipal, onde Zema participou de uma entrevista coletiva.
Entenda o conflito
Os acampados atingidos pela reintegração de posse vivem na área da usina falida Ariadnópolis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), que encerrou as atividades em 1996. Ao falir, os donos da empresa deixaram dívidas trabalhistas e as terras em situação de completo abandono.
Após a ocupação e revitalização das terras a partir de 1998, os agricultores estão em constante disputa com os proprietários da Companhia, que reivindicam posse do local recuperado ao longo dos anos pelos sem-terra.
A região do sul de Minas, conhecida por ser a maior produtora de café do Brasil, é também berço do café orgânico e agroecológico Guaií, produzido há décadas pelos acampados. No local, os agricultores também desenvolvem atividades como plantio de cereais, milho, hortaliças e frutas.
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Quem pede o despejo das famílias é o empresário Jovane de Souza Moreira, que tenta reativar a usina falida para cumprir um acordo comercial com a Jodil Agropecuária e Participações Ltda. O proprietário da empresa em questão é João Faria da Silva, considerado um dos maiores produtores de café do país.
O juiz Walter Zwicker Esbaille Junior, do Tribunal de Justiça de Minhas Gerais (TJ-MG) chegou a determinar a reintegração de posse em novembro de 2018 em primeira instância. Entretanto, o desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant suspendeu a decisão.
Reportagem da Repórter Brasil, publicada em novembro 2018, registra que após pedir recuperação judicial da Usina, o documento firmado entre Jovane e Faria prevê o arrendamento de parte dos 4 mil hectares da terra para o plantio de café, enquanto outra parcela seria destinada ao cultivo da cana-de-açúcar.
O despejo iniciado nesta quarta-feira (12) foi determinado pelo juiz Roberto Apolinário de Castro em fevereiro e afeta diversas famílias que ocupam a área da sede da Usina.
Mas, segundo denuncia o MST, a questão que agrava a situação é o limite entre as áreas do Quilombo e a área que o proprietário da antiga usina alega ser de sua propriedade.
De acordo com o movimento, área que o dono da Usina reivindica legalmente não é dele de fato. Apesar disso, o despacho mais recente, de fevereiro desse ano, aumentou a área da reintegração de posse para 52 hectares.
*Colaborou Wallace Oliveira, direto de Campo do Meio (MG)
Edição: Rodrigo Chagas