O movimento contrário ao Teto dos Gastos ganhou corpo nas últimas semanas no país, levando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a buscar apoio junto aos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM- RJ), para tentar impedir mudanças na Emenda Constitucional 95 (EC 95), cada vez mais impopular após a crise da covid-19.
O Teto vale até 2037 e impõe limites rígidos aos investimentos do Estado especialmente nas áreas sociais, como saúde, educação e assistência social. Mas a soma das crise sanitária e socioeconômica impulsionou a articulação de parlamentares que defendem a revogação ou a suspensão temporária e parcial da EC, que oficializou o Teto no país.
O Senado tem, atualmente, duas matérias sobre o assunto prontas para votação no plenário. Juntas, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 17/2020 e a PEC 27/2020 pedem que o Sistema Único de Saúde (SUS) seja liberado de cumprir as exigências do Teto durante o estado de calamidade pública, que vigora até 31 de dezembro.
As medidas, no entanto, dependem dos humores políticos para entrar em votação. Na teoria e na prática, a inclusão de uma pauta na ordem do dia cabe ao presidente da Casa, Alcolumbre, após acordo entre as lideranças das bancadas. Adepto da agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes, que entoa a defesa do Teto e promove outras medidas de aprofundamento do ajuste, Alcolumbre se somou a Maia e Bolsonaro na última quarta-feira (12), para firmar um pacto pela manutenção do Teto.
Para o professor Francisco Tavares, do Grupo de Estudos Sociofiscais da Universidade Federal de Goiás (UFG), a crescente movimentação política em torno do tema não surpreende. Ele sublinha que a EC aprofunda um modelo que soa como insustentável em uma nação com o perfil da brasileira porque, entre outras coisas, o país ainda não conseguiu universalizar o acesso a serviços básicos, como saúde, educação, segurança pública.
“Em um país como esse, não é possível congelar gastos públicos por vinte anos, dado o crescimento demográfico, dado o crescimento econômico, por menor que seja e que se espere em vinte anos, imaginar que isso se sustenta. Então, por razões fiscais, isso já não era possível, porque tem um crescimento vegetativo da própria folha de pagamento do Estado, tem um crescimento vegetativo decorrente de um aumento demográfico dos próprios dispêndios obrigatórios públicos. Isso, portanto, não seria macroeconomicamente possível", explica Tavares.
“Tampouco seria possível do ponto de vista estritamente político, a menos que o país decida não se tornar – nem mesmo formalmente – um regime democrático, porque não existe mais controvérsia na ciência política e não há dúvida de que democracia tem a ver com afetação fiscal."
"A EC congela o orçamento por vinte anos. Quando sobrevêm a maior crise econômica, a maior crise sanitária e uma das mais complicadas crises políticas da historia republicana do Brasil, aí sim fica totalmente inviável atender ao Teto de Gastos”, completa Tavares, afirmando que acredita na queda do ajuste fiscal “em algum momento”.
Interpretada como uma resposta ao ganho de musculatura do coro opositor, a iniciativa de Maia, Acolumbre e Bolsonaro é acompanhada com atenção por atores da sociedade civil que pedem a revogação da medida.
“Se a gente pensar em qualquer política pública – implementar, ampliar ou criar uma nova política –, é impossível [isso] com o Teto dos Gastos ”, aponta Jose Antonio Moroni, da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.
Integrante do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Moroni vê no debate sobre as PECs 17 e 27 a possibilidade de sedimentar um caminho para a revogação total do ajuste.
“É uma conquista que cria uma certa fissura na ideologia do neoliberalismo, onde o Estado só se responsabiliza e ser eficiente para atender as elites. Qualquer coisa que possamos fazer pra furar isso nesta conjuntura, acho que é muito válido. Se conseguirmos furar o Teto de Gastos para a Saúde neste momento, há possibilidade de depois, mais pra frente, a gente furar outros bloqueios – na educação, na assistência social”.
EC 95
O Teto dos Gastos foi proposto no país em 2016, durante o governo Temer (2016-2018), no contexto de aprofundamento neoliberal que precedeu outras medidas alinhadas à mesma agenda, como contingenciamento orçamentário dos ministérios e secretarias, cortes ou suspensões de programas de caráter social, fatiamento de empresas e agências públicas, entre outros.
A medida foi aprovada pela Câmara e pelo Senado em 2016 e entrou em vigor em 2017, passando a incidir sobre as finanças públicas do exercício de 2018 em diante. Por se tratar de uma regra incorporada à Constituição Federal, ela só pode ser alterada por meio de uma proposta de emenda constitucional (PEC) no Congresso.
Edição: Rodrigo Durão Coelho