TENSÃO

PM atira bombas contra acampados do MST que lutam há 50 horas contra despejo em MG

Moradores do acampamento Quilombo Campo Grande relatam cenário de guerra em Campo do Meio

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Famílias foram alvejadas com bombas no início da tarde desta sexta (14), após mais de 50 horas de resistência contra o despejo - Foto: MST MG

Os sem-terra do acampamento Quilombo Grande, em Campo do Meio (MG), foram reprimidos pela Polícia Militar de Minas Gerais no início da tarde desta sexta-feira (14). Os acampados relatam que as forças policiais usaram bombas de gás lacrimogêneo e avançaram com o Choque contra as famílias, que estão há mais de 50 horas lutando contra a reintegração de posse da área.

A Polícia Militar iniciou o despejo na madrugada do dia 12 e a ação chega ao terceiro dia nesta sexta-feira (14). A reportagem do Brasil de Fato apura mais detalhes sobre a repressão e sobre os artefatos utilizados contra os acampados. A Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais e a Polícia Militar foram questionadas sobre a ação por meio das respectivas assessorias de imprensa. 


Bombas de gás lacrimogêneo atiradas contra os sem-terra nesta quarta-feira (14) / Foto: MST MG

"É muito desespero. É muita gente chorando, caindo pelo chão. Estão passando por cima. Muita gente machucada. Crianças sumiram", disse uma das acampadas que está no local.

As famílias que ocupam o terreno da falida Usina Ariadnópolis há 22 anos e são referência na produção agroecológica de café denunciam a negligência do governador Romeu Zema (Novo), que não ordenou a suspensão do despejo que acontece em meio à pandemia do novo coronavírus.

Os agricultores denunciam ainda que a reintegração é ilegal. Esther Hoffmann, da coordenação nacional do MST, explica que as famílias já deixaram a área prevista na decisão judicial do juiz Roberto Apolinário de Castro, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, favorável ao proprietário da antiga Usina.

Exigimos que o governador Zema recue as tropas e que as famílias possam preservar sua saúde e cuidar das feridas, que não são poucas.

“A polícia continua ameaçando avançar para além da decisão judicial, que são os lotes familiares, que não estão contidos dentro do processo dessa liminar de despejo. O que eles querem é despejar ilegalmente as famílias que produzem, moram, tem suas construções e famílias nessa área há mais de 20 anos. Nos colocaram em uma situação de risco, fazendo o despejo em meio à pandemia, nos forçaram estar aqui. Com uma aglomeração causada pela PM, colocando as famílias em risco de contaminação”, denuncia Hoffmann.

Segundo o acampado Silvio Netto, o aparato policial presente no local nos últimos dias é grande. Ele afirma que dois caveirões da Tropa de Choque do estado chegaram ao local nesta sexta (14). Durante a manhã, um helicóptero sobrevoou baixo exatamente no local onde as famílias estavam reunidas, levantando poeira e intimidando os sem-terra. 

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“Exigimos que o governador Zema recue as tropas e que as famílias possam preservar sua saúde e cuidar das feridas, que não são poucas, depois dessas horas todas de sofrimento e de luta em meio à pandemia”, reforça Neto.

Antes da repressão por parte da polícia, o sem-terra já havia denunciado que a violência contra as famílias, incluindo idosos e crianças que vivem no acampamento, poderia acontecer a qualquer momento. “Há uma possibilidade grande que eles usem todo o aparato militar para machucar as pessoas e aumentar a violência contra nós aqui em Campo do Meio”, alertou.


Famílias resistem à reintegração há mais de 50 horas / Foto: MST MG

“Zema covarde”

Há uma grande mobilização popular em nível nacional que pressiona o governador Romeu Zema (Novo) para suspender o despejo em curso. As hashtags “Zema Covarde”, “Zema criminoso” e “Salve o quilombo” tem sido usadas nas redes sociais em apoio aos acampados do Quilombo Campo Grande. 

No primeiro dia da reintegração, o político publicou um tweet afirmando que a reintegração estaria suspensa. No entanto, os policiais permaneceram no local. Horas depois, o governo alegou que a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social encaminhou o pedido de suspensão à comarca de Campo Gerais, que, por sua vez, não aceitou a solicitação.

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A deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT-MG) critica de forma contundente a postura do governador. Segundo ela, há tentativas de diálogos com Zema e com o Comando da Polícia Militar de MG para que o despejo não fosse iniciado desde julho. Ao lado do deputado federal Rogério Correia, Cerqueira está a caminho do Quilombo Campo Grande.

“O governador fez uma opção política de manter essa reintegração. Poderia ter sido suspensa por ele. E uma opção política porque é ideológica. O governador tem dito que está cumprindo uma decisão policial. É mentira. Estamos em uma situação excepcional e ele poderia ter chamado para ele a responsabilidade e mesmo uma mediação que impedisse essa ação pelo menos durante a pandemia”, critica a parlamentar.

“Hoje o Brasil inteiro conhece como o Partido Novo se comporta em relação aos direitos humanos e à população pobre. Ao agricultor familiar, às famílias que estão na luta por sobrevivência”.

Os advogados do MST entraram com um pedido no Superior Tribunal de Federal (STF) para reverter a ordem de despejo, que conta com pedido de urgência da deputada. A bandada do PT na Câmara também protocolou um pedido para que o ministro Edson Fachin conceda a liminar em caráter de urgência.


Acampados correram para fugir dos efeitos das bombas de gás lacrimogêneo / Foto: MST MG

Denúncia internacional

A Campanha Despejo Zero, capitaneada pelo MST em conjunto com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e outras dezenas de movimentos populares, denunciou o despejo do acampamento à Organização das Nações Unidas (ONU) nesta quinta (13).

O informe enviado ao relator especial de moradia adequada do órgão internacional, Balakrishnan Rajagopal, denuncia a destruição da Escola Popular Eduardo Galeano no primeiro dia de despejo e a retirada de seis famílias do local.

Os movimentos solicitaram que o Romeu Zema seja oficiado pela entidade para a suspensão imediata da reintegração.


Sem-terra resistem à ofensiva da polícia militar no estado de Minas Gerais / Foto: MST MG

Fogo

De acordo com os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), os policiais atearam fogo em uma área do acampamento com o objetivo de frear a mobilização das famílias na tarde desta quinta-feira (13).

Após a publicação da denúncia pelo Brasil de Fato, a assessoria do governo estadual entrou em contato com a redação do veículo em Minas Gerais e informou que a acusação não procede. 

A Polícia de Minas Gerais gravou um vídeo no qual um homem, que seria um civil, ateia fogo no local. A corporação também afirma que três policiais foram encaminhados ao socorro médico após terem sido atingidos pela fumaça.

A reportagem, por sua vez, questionou porque os policiais não impediram o ato criminoso. A assessoria do governo respondeu que o ato foi distante do local onde estava a tropa e que “abandonar a preservação de terceiros naquele momento para uma única prisão seria de fato mais arriscado”.

Entenda o conflito 

Os acampados atingidos pela reintegração de posse vivem na área da usina falida Ariadnópolis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), que encerrou as atividades em 1996. Ao falir, os donos da empresa deixaram dívidas trabalhistas e as terras em situação de completo abandono. 

Após a ocupação e revitalização das terras a partir de 1998, os agricultores estão em constante disputa com os proprietários da Companhia, que reivindicam posse do local recuperado ao longo dos anos pelos sem-terra. 

Com larga escala de produção agroecológica, as famílias produtoras do famoso Café Guaií também são responsáveis por outros tipos de cultivos, como milho, feijão, mel, hortaliças, verduras, legumes, galinhas, gado e leite. O Quilombo Campo Grande conta com 11 acampamentos organizados na área. São plantados, em média, 600 hectares de terra anualmente.

Segundo o MST, só no último ano, as 450 famílias produziram 8,5 mil sacas de café e 1.100 hectares de lavouras com 150 variedades cultivadas, sem o uso de agrotóxicos.

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Do outro lado, quem pede o despejo das famílias é o empresário Jovane de Souza Moreira, que tenta reativar a usina falida para cumprir um acordo comercial com a Jodil Agropecuária e Participações Ltda. O proprietário da empresa em questão é João Faria da Silva, considerado um dos maiores produtores de café do país.

O juiz Walter Zwicker Esbaille Junior, do Tribunal de Justiça de Minhas Gerais (TJ-MG) chegou a determinar a reintegração de posse em novembro de 2018 em primeira instância. Entretanto, o desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant suspendeu a decisão.

Reportagem da Repórter Brasil, publicada em novembro 2018, registra que após pedir recuperação judicial da Usina, o  documento firmado entre Jovane e Faria prevê o arrendamento de parte dos 4 mil hectares da terra para o plantio de café, enquanto outra parcela seria destinada ao cultivo da cana-de-açúcar.

O despejo iniciado nesta quarta-feira (12) foi determinado pelo juiz Roberto Apolinário de Castro em fevereiro e afeta diversas famílias que ocupam a área da sede da Usina.

Mas, segundo denuncia o MST, a questão que agrava a situação é o limite entre as áreas do Quilombo e a área que o proprietário da antiga usina alega ser de sua propriedade.

De acordo com o movimento, área que o dono da Usina reivindica legalmente não é dele de fato. Apesar disso, o despacho mais recente, de fevereiro desse ano, aumentou a área da reintegração de posse para 52 hectares.  

*Colaborou Wallace Oliveira, direto de Campo do Meio (MG)

Edição: Rodrigo Chagas