Uma fronteira é uma linha física ou artificial que separa áreas geográficas, que são conhecidas principalmente por serem limites políticos e separarem países. Uma fronteira também descreve a área controlada por um poder administrativo ou político. E num contexto de pandemia, as fronteiras também dividem as políticas que levaram àquela população sobreviver ou não à um vírus que já matou milhares ao redor do mundo. No caso de Brasil e Venezuela, os números mostram que as diferentes políticas públicas levaram um país a acertar no combate ao vírus e o outro, errar.
A fronteira do Brasil com a Venezuela se dá entre as cidades de Pacaraima (Roraima) e Santa Elena de Uairén (Gran Sabana /Bolívar). Sem um decreto que colocasse o isolamento realmente em prática, o último Boletim Epidemiológico da Secretaria de Saúde de Roraima, divulgado em 17 de agosto, revelou que Pacaraima registra até o momento 1.540 casos notificados, sendo 1.246 confirmados e apenas 370 recuperados. A cidade brasileira segue investigando duas mortes e tem outras 26 confirmadas.
Quando se leva em consideração todo o estado brasileiro que faz fronteira com o país vizinho, Roraima tem mais de 40 mil casos confirmados e 574 mortos, chegando a taxa de letalidade de 1,4%. A capital Boa Vista é o município com o maior número de casos confirmados, quase 30 mil, e 444 mortes confirmadas até o momento.
De acordo com estimativas de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pacaraima tem hoje 17. 401 habitantes, ou seja, mais de 7% da população da cidade já foi contaminada pelo coronavírus. Se considerado todo o estado, o índice de contágio cai pouca coisa, atingindo a marca de 6,67% da população infectada.
Já do outro lado da fronteira, em Santa Elena de Uairén, capital da Gran Sabana, os números são completamente diferentes. A Venezuela foi o primeiro país do continente americano a decretar quarentena em nível nacional e o fechamento de fronteiras.
Se comparados, a pacata cidade de Pacaraima, de 17 mil habitantes, e o estado de Bolívar, com 1 milhão e 214 mil habitantes, têm um número próximo de contaminados pelo coronavírus - com diferença de apenas 186 casos. O estado venezuelano tem, até o momento, 1. 432 pessoas infectadas.
Hoje em toda a Venezuela há 10.939 casos ativos, sendo que 6.675 estão em hospitais, 4.082 em Centros de Diagnóstico Integral (CDI) e 182 em clínicas privadas que estão atendendo a população gratuitamente. Dos pacientes com vírus ativo, 6.661 são assintomáticos, 3.856 apresentam insuficiência respiratória leve, 337 insuficiência respiratória moderada e 85 estão na UTI. No total o país já registrou até o momento 35.697 casos confirmados e 297 óbitos.
As informações foram publicadas pela vice-presidenta executiva da República Bolivariana da Venezuela Delcy Rodríguez pelo Twitter após a reunião diária da Comissão Presidencial para o Controle e Prevenção da Covid-19.
Os baixos números de casos confirmados e de óbitos registrados no país são consequência de uma ampla política de contenção do vírus. Ainda em março, Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, anunciou uma série de medidas de proteção social para a população. Um Alerta Nacional foi decretado e todo o país entrou em isolamento social voluntário e solidário. Apenas serviços considerados essenciais, tais como saúde, segurança, supermercados e telecomunicações se mantiveram operando. Todos os terminais, sejam terrestres ou aéreos, foram fechados, e só era possível circular entre as cidades com carro pessoal.
O Estado se comprometeu em assumir tanto o pagamento dos salários dos trabalhadores do setor público como de trabalhadores de pequenas e médias empresas do setores privados por seis meses para que as pessoas pudessem se manter em casa - de acordo com dados do Ministério do Poder Popular para o Processo Social do Trabalho, 7,8 milhões de venezuelanos e venezuelanas estão empregados no sistema formal, tanto em empresas públicas, como privadas, o que representava 60,3% da população economicamente ativa do país em abril de 2016. Aos trabalhadores informais, alguns bônus foram disponibilizados, como o "Bônus Lealdade", o “Bônus Disciplina e Solidariedade", entre outros.
Em abril, uma outra medida adotada em todo o território venezuelano foi o congelamento de preços de alimentos durante a pandemia. O acordo foi feito entre o governo e os maiores produtores e distribuidores do país e engloba 27 itens da cesta básica alimentar.
Uma comissão composta pelo ministério de Comércio Nacional e da Economia negociou a lista de 27 produtos da canasta básica alimentar com empresários venezuelanos / Reprodução
Já em maio, mantendo a tradição de aumentar o valor do salário mínimo nacional no dia do trabalhador - iniciada nos anos 2000 com o governo de Hugo Chávez, Nicolás Maduro subiu o valor do salário mínimo de Bs 450 mil para Bs 800 mil (Bolívares Venezuelanos). Também em maio, um toque de recolher foi decretado nos municípios de Guajira e Jesús María Semprún, no estado de Zulia; e Gran Sabana, do estado de Bolívar, que faz fronteira com o Brasil, das 4 da tarde às 10 da manhã.
Em algumas cidades do país, como a capital Caracas, um plano de distribuição de alimentos de casa em casa foi adotado. Os produtos vêm por meio de três programas associados: os Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP), que são as cestas básicas distribuídas pelo governo nacional; a Feira do Campo Soberana, feiras de peixes e hortaliças produzidos na região; e o Plano de Proteína, que oferece proteína animal a preços subsidiados pelo Estado. Também são vendidas mercadorias de 400 comerciantes privados locais.
No lado brasileiro, Juliano Torquato (PRB), prefeito de Pacaraima, teve um posicionamento diferente. O decreto municipal, publicado em 29 de abril de 2020, tornava obrigatório o uso de máscaras em ambientes públicos. Comércios e estabelecimentos continuaram funcionando, mas com permissão para um número reduzido de clientes. Serviços como restaurantes e bares continuaram atuando com serviço de entregas. Nenhuma outra política de contenção do contágio do vírus foi tomada.
A taxa de contaminação do estado de Bolívar é de 0,11% da população, enquanto do lado brasileiro, na mesma região, a taxa é de 7,76%. Se Pacaraima ficasse em solo venezuelano e tivesse acesso às políticas adotadas pelo país vizinho, centenas de pessoas deixariam de se infectar com o vírus.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
