Nesta quarta-feira o Brasil completou seis meses de registro oficial do primeiro paciente com covid-19 no país, sem horizonte de queda na circulação do vírus. Desde abril, a taxa de propagação da doença - medida pela instituição britânica Imperial College - indica descontrole. Só houve vislumbre de algum alívio nesse cenário na segunda semana de agosto, mas a tendência foi revertida no período seguinte. Hoje o país está em patamar de crescimento lento com estabilidade. Mas como a variação para cima mostrou em poucos dias, o equilíbrio é frágil e se mantém sobre patamares altíssimos de casos e óbitos.
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Os números mostram que o Brasil falhou em controlar a covid-19 nesses seis meses. Segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, nesta quarta-feira (26), o total de infectados chegou a 3.717.156. Em 24 horas foram confirmados 47.161 novos pacientes. Por quatro semanas, entre 19 de julho e 15 de agosto, o país registrou mais de 300 mil contaminados sucessivamente a cada sete dias. Foram necessários quase três meses de circulação do vírus para o Brasil chegar aos primeiros 300 mil infectados. Hoje o registro desse montante por semana é comum.
Por que a ideia de estabilização da covid no Brasil é uma realidade distante?
Nesse semestre de convivência com o coronavírus, 117.665 morreram em decorrência da covid-19. Há três meses o número de óbitos por semana é superior a 6.500, com registros acima de sete mil em vários momentos. A média móvel (média dos últimos 7 dias) desta quarta-feira (26) era de 938 mortes. Há quatro meses essa média é superior a 900, sem ceder e com picos acima de mil em diversas ocasiões.
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A partir do caso inicial, confirmado em 26 de fevereiro, o país demorou menos de três meses para se tornar o segundo do mundo em números absolutos de infectados. Pouco mais de duas semanas depois disso, estava também na segunda colocação no total de mortes. Hoje, junto com os Estados Unidos, o Brasil responde por mais da metade dos casos do continente americano. Globalmente, as duas nações estão junto com a Índia entre as que têm cerca de metade dos contaminados do Planeta. Em comum os três países têm governos conservadores, sem plano nacional de isolamento e que dão mais atenção à normalidade das atividades econômicas do que à questão sanitária.
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A politização do isolamento
Sobram dúvidas sobre o coronavírus na comunidade científica global, apesar dos esforços e da corrida de pesquisas, que nunca foi registrada na história da humanidade. Uma coisa é certeza desde o início, no entanto: o isolamento social é definidor no controle da propagação. No Brasil, ele virou pauta política desde os primeiros casos. Um mês depois do primeiro paciente, quando o país ainda tinha menos de três mil casos, o presidente Jair Bolsonaro disse em rede nacional que o Brasil não deveria fechar escolas, comércio e promover o isolamento em massa. Afirmou também que a imprensa espalhou sensação de pavor entre a população.
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Coincidentemente ou não, as afirmações foram feitas dois dias após a população brasileira ter conseguido atingir o maior índice de isolamento dos últimos seis meses: mais de 61%. Desde as declarações do presidente, o patamar só declina e está abaixo de 50% desde junho. Nos últimos períodos tem variado entre 47% aos fins de semana e 37% em dias úteis, de acordo com monitoramento em tempo real da empresa brasileira de tecnologia e geolocalização Inloco. Enquanto isso, a pandemia avança.
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Bolsonaro não perdeu oportunidades de condenar a quarentena, chamar os cuidados de histeria e, na prática, provocar aglomerações. Aumentou passeios ao comércio, participou de manifestações antidemocráticas, inaugurou projetos em meio a multidões, reuniu grupos no Palácio do Planalto. Nem mesmo quando estava contaminado pelo coronavírus deixou de ir às ruas. Foi visto conversando com garis em Brasília, sem máscara, alguns dias antes de receber a confirmação de que estava curado.
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As opiniões de Bolsonaro sobre o isolamento contrariam a orientação dos maiores especialistas em saúde pública do mundo, inclusive da Organização Mundial da Saúde (OMS). Outra percepção do presidente que vai contra estudos de diversas instituições do planeta, é a defesa de que a Cloroquina e a Hidroxicloroquina serviriam para combater a covid-19. As substâncias são usadas para tratar malária, por exemplo, e nenhuma pesquisa conseguiu definir se funcionam ou não para as contaminações pelo coronavírus. O governo, no entanto, aumentou a produção do produto em laboratórios do Exército e o presidente trocou dois ministros que não concordavam com o uso indiscriminado dos remédios.
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As atitudes de Bolsonaro parecem uma tentativa de imitação do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O presidente dos EUA está em plena campanha eleitoral e tenta descolar de si a responsabilidade pelos quase seis milhões de infectados e mais de 170 mil mortes no país. Chega dizer que os Estados Unidos têm a melhor resposta do mundo contra a pandemia.
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Se as afirmações de Bolsonaro contra o isolamento podem ter ajudado o coronavírus a crescer no Brasil, cabe lembrar também, que mesmo reduzida, a quarentena salvou vidas. Já é consenso na Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) que os jovens são os grandes propagadores do coronavírus nas Américas e o fato de o Brasil ainda não ter retomado as atividades escolares e acadêmicas em todo o território nacional ajuda a controlar de alguma maneira as contaminações desse público. No entanto, com a necessidade de ir ao trabalho, usar o transporte público, quem tem menos de 50 anos ainda responde por uma parcela considerável dos infectados.
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A pandemia da desigualdade
Diversas pesquisas indicam que a covid-19 no Brasil já tem seu aspecto social estabelecido. Um estudo divulgado pelo Ministério da Saúde e realizado pela Universidade Federal de Pelotas (RS) mostra que a população pobre tem o dobro de chances de ser infectada. Um cruzamento de dados da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), indica que a maior parte das pessoas que morreram por causa da covid-19 na cidade de São Paulo vive em regiões onde a população depende mais do transporte coletivo. A letalidade nos bairros mais pobres chega a ser 60% superior.
No Recife, 2 em cada 3 novos casos de covid-19 registrados em junho atingiram a população preta. No Rio de Janeiro, a letalidade nas favelas é o dobro da registrada em bairros ricos. No Distrito Federal, as regiões de periferia têm as menores taxas de isolamento da capital federal. Em Manaus, uma das três cidades brasileiras com maior índice de pessoas abaixo da linha da pobreza, o impacto do coronavírus foi trágico. Os sistemas de saúde e funerário colapsaram e a população chegou a manter mortos em casa por mais de 24 horas.
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Exemplos que comprovam: o coronavírus chegou ao Brasil pela classe média alta e pela classe rica, a partir de viagens ao exterior. Mas é nos pobres e nos mais vulneráveis que ele deixa sua marca mais profunda. São eles que não têm condições de se isolar, que mais sofrem as consequências econômicas, que mais perdem entes queridos, que menos têm acesso ao teletrabalho e às aulas online e que mais devem demorar a se recuperar da crise.
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Ainda sem vacina, com realidades distintas em um território continental e sem plano nacional de isolamento, o coronavírus segue avançando no país. Não há estudos que indiquem algum tipo de possibilidade de melhora substancial em curto prazo. Mesmo regiões que demostram queda nos números, enfrentam mudança nesse cenário a partir do retorno às ruas. A tese de imunidade coletiva a partir da contaminação de uma parcela alta da população está sempre permeada pelo número de mortes que o país vai alcançar até lá.
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Projeções matemáticas indicam que a situação ainda tem potencial para se agravar. Segundo cálculos da plataforma Geocovid, se todas as medidas de distanciamento fossem canceladas hoje, em trinta dias o número de infectados pelo coronavírus seria superior a 8 milhões e 600 mil pessoas no Brasil. A demanda hospitalar superaria a capacidade do sistema de saúde e causaria um esgotamento que nunca foi observado na história. A plataforma não faz estimativas para um período maior. Mas a situação do primeiro semestre de presença do vírus no país pode dar uma ideia do que esperar.
O que é o novo coronavírus?
Trata-se de uma extensa família de vírus causadores de doenças tanto em animais como em humanos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em humanos os vários tipos de vírus podem provocar infecções respiratórias que vão de resfriados comuns, como a síndrome respiratório do Oriente Médio (MERS), a crises mais graves, como a Síndrome Respiratória Aguda severa (SRAS). O coronavírus descoberto mais recentemente causa a doença covid-19.
Como ajudar quem precisa?
A campanha “Vamos precisar de todo mundo” é uma ação de solidariedade articulada pela Frente Brasil Popular e pela Frente Povo Sem Medo. A plataforma foi criada para ajudar pessoas impactadas pela pandemia da covid-19. De acordo com os organizadores, o objetivo é dar visibilidade e fortalecer as iniciativas populares de cooperação.
Edição: Rodrigo Durão Coelho