Em meio ao contexto de instabilidade política e diplomática na relação entre Brasil e Venezuela, um debate virtual reuniu, nesta quinta-feira (27), o chanceler do país vizinho, Jorge Arreaza, e os ex-ministros das Relações Exteriores do Brasil Celso Amorim e Aloysio Nunes (PSDB). Os três afinaram o discurso em prol da cooperação entre os países, com ex-chanceler do governo liberal de Michel Temer (2016-18) chegando a afirmar que os dois países precisam superar a falta de diálogo atual, pelo bem de suas populações e interesses.
Na visão do ex-senador tucano, quando o Congresso Nacional suspender o esquema de votações remotas para retornar à normalidade de votações e debates nos colegiados, as Comissões de Relações Exteriores das duas casas legislativas precisarão se debruçar sobre o tema da diplomacia entre Brasil e Venezuela e também outros assuntos que tratem da cooperação entre os povos.
“Acho que nós, políticos, não podemos conviver com o termo ‘impasse’, palavra francesa que significa ‘beco sem saída’. Político não pode ter impasse. É preciso encontrar uma forma de contornar os impasses e fazer fluírem os interesses dos povos”, finalizou Nunes, que presidiu a Comissão de Relações Exteriores do Senado entre os anos de 2015 e 2016.
Tendo conduzido o Ministério das Relações Exteriores (MRE) durante uma administração que divergia da agenda política venezuelana, Aloysio Nunes contou ter vivido “momentos diferentes” na relação com os vizinhos, mas pontuou que a manutenção de um trânsito diplomático foi “necessária”.
"Nós nunca nos afastamos da convicção de que é um vizinho importante, pela extensão da fronteira, pela nossa vizinhança, pela presença de brasileiros trabalhando na Venezuela, de investimentos brasileiros lá e de uma longa tradição, inclusive no campo cultural, de relações com a Venezuela. Nunca me esqueço de que a Venezuela foi um país de abrigo para pessoas que fugiam da ditadura militar no Brasil ”, enumerou.
Celso Amorim
O debate, promovido por Arreaza, ocorreu logo depois de o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, omitir-se diante de um pedido de cooperação do governo venezuelano para enfrentar a covid-19. Os dois países têm uma fronteira de mais de 2.100 km, que é a segunda maior do Brasil e fica na altura do estado de Roraima, hoje com mais de 42 mil casos da coronavírus e 582 mortes.
Jorge Arreaza lamentou a falta de diálogo entre os governos e lembrou que a Venezuela manteve relações diplomáticas com o Brasil durante gestões como as de Fernando Henrique Cardoso (FHC), Lula (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), apesar das rusgas políticas deste último com o governo venezuelano.
“A última coisa que queremos é alguma agressão com país vizinho – com Brasil, Colômbia, com Guiana, qualquer um. Nossa diplomacia é de integridade, paz e diálogo. Vamos insistir que queremos ter isso com os governos locais, governadores, congressistas, todos. Temos que manter um diálogo em algum nível. Não é possível que eu tenha diálogo até com interlocutores dos Estados Unidos e não tenha com o governo do Brasil. Isso é um contrassenso”, salientou Arreaza.
Diplomata de carreira, Amorim disse que a conduta do governo Bolsonaro de negar a possibilidade de uma cooperação para enfrentar a pandemia na fronteira desconsidera os riscos relacionados à covid-19.
“Essas diferenças o vírus não reconhece. O vírus não quer saber quem é bolivariano, quem é de direita, e ele vai contaminando e criando os problemas. Então, me parece absolutamente essencial que haja uma cooperação”, disse o ex-chanceler dos governos Lula.
Em março deste ano, o governo Bolsonaro rompeu totalmente as relações com o país vizinho ao estipular um prazo de 60 dias para que diplomatas venezuelanos saíssem do Brasil e exigir que o presidente Nicolas Maduro retirasse seus funcionários do país. A iniciativa veio após seguidas desavenças relacionadas às diferenças ideológicas entre os dois governos.
“Nunca, na democracia, o Brasil rompeu relações com nenhum país por não estar de acordo com a sua ideologia. Isso aconteceu no governo militar, e foi só com Cuba e, ainda assim, num momento muito dramático, que foi o da Guerra Fria. É um absurdo que isso aconteça, inclusive porque os países, as economias, os povos têm que se relacionar. Claro que você pode estar mais próximo ou menos próximo, mas alguma comunicação tem que haver”, defendeu Amorim.
O ex-chanceler acrescentou que a conduta da gestão Bolsonaro fere o respeito ao pluralismo, previsto na carta constituinte da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), e os princípios da não intervenção e do respeito pela autodeterminação dos povos, previstos na Constituição Federal de 1988.
Edição: Rodrigo Durão Coelho