Uma nota pública assinada pelos movimentos sociais urbanos Central de Movimentos Populares (CMP), Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Movimento dos Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) e União Nacional por Moradia Popular (UNMP) critica a Medida Provisória (MP) 996/20 e o programa habitacional federal recém reformulado pelo governo Bolsonaro, batizado de "Casa Verde Amarela".
Segundo os subscritores da nota, a MP "é voltada para os interesses do mercado financeiro e dificulta o acesso dos mais pobres à moradia digna". O texto da nota diz ainda que o Programa Casa Verde e Amarela "é uma ilusão para o povo mais pobre que precisa de moradia. A alternativa de financiamento já é conhecida e exclui a maioria do povo do acesso à moradia devido às restrições cadastrais e ao valor das mensalidades, que são verdadeiras barreiras".
Para os movimentos, o programa apresentado pelo governo não é "um plano estruturado e organizado para enfrentar a falta de moradia no Brasil, mas na verdade nos parece um programa eleitoreiro para gerar uma falsa expectativa em quem precisa de moradia, assim como lucro para construtoras, imobiliárias e bancos".
Confira a íntegra do texto:
Bolsonaro inimigo da moradia popular: retrocessos na luta pela moradia no Brasil
A luta pela moradia no Brasil é histórica, voltada a garantir o direito de moradia de amplos setores da população que desde sempre foram excluídos da possibilidade de acesso à terra e à moradia digna. Historicamente, o interesse privado das elites econômicas se sobrepõe ao interesse social na construção das cidades.
Na luta pela Constituição de 1988, garantiram-se instrumentos como os artigos 182 e 183 e depois, com mais de um milhão de assinaturas, o primeiro projeto de lei de iniciativa popular do Brasil: PL 2710/92. Depois de 13 anos, este PL se transformou no Sistema e Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social.
Os avanços com a criação do Ministério das Cidades, do sistema de Conferências e do Conselho Nacional das Cidades ocuparam papel estratégico na construção das políticas de desenvolvimento urbano e na garantia do direito à cidade, em especial do direito à moradia. Nos últimos anos, o Minha Casa Minha Vida foi responsável pela contratação de mais de 5 milhões de moradias, grande parte destinada às famílias de baixa renda que não teriam como buscar no mercado imobiliário solução para o seu direito de morar, necessitando de políticas públicas nesta área. Entidades urbanas e rurais produziram as moradias com mais qualidade e organização social.
Atualmente, no Brasil, não temos nenhum canal institucional e de diálogo das políticas urbanas do governo com a sociedade. O Ministério das Cidades foi destruído, e o Conselho Nacional das Cidades desmontado. Novamente as decisões são tomadas em gabinetes, verdadeiros balcões de negócios, geralmente alheios aos anseios e aos interesses da população e dos Movimentos organizados pelo direito à cidade e à moradia.
MP 996 - Programa Casa Verde e Amarela: A ilusão do financiamento
O programa Casa Verde a Amarela é uma ilusão para o povo mais pobre que precisa de moradia. A alternativa de financiamento já é conhecida e exclui a maioria do povo do acesso à moradia devido às restrições cadastrais e ao valor das mensalidades, que são verdadeiras barreiras.
A MP 996 não prevê aporte significativo de recursos orçamentários para produção habitacional, nem subsídios como havia no Minha Casa Minha Vida Faixa 1, que atendia famílias com renda até R$ 1.800,00, em que as prestações não passavam de 10 % da renda pelo período de 10 anos. Agora, o foco do programa é abrir novas linhas de financiamento, com prestação mensal que chegará a 30% da renda por um período de 30 anos. Isto confunde o que é Moradia de Interesse Social com Produção de Moradias para o Mercado Imobiliário. Além disso, busca deixar de fora a Caixa e Bancos públicos, voltando-se principalmente ao interesse do mercado financeiro.
A promessa de avançar na regularização fundiária deixa claro que o interesse não é para garantir segurança na posse, mas sim para criar “ativos” (novas matrículas a serem hipotecadas). Dessa forma, estarão utilizando os recursos que estavam previstos para a produção habitacional na preparação e fortalecimento da especulação imobiliária.
Outra questão que preocupa os Movimentos é que não se trata de um plano estruturado e organizado para enfrentar a falta de moradia no Brasil, mas na verdade nos parece um programa eleitoreiro para gerar uma falsa expectativa em quem precisa de moradia, assim como lucro para construtoras, imobiliárias e bancos. Hoje temos um déficit quantitativo de mais de 6 milhões de moradias. Em linhas gerais, o programa modifica questões importantes de outros programas e leis anteriores, bem como suprime o papel de controle social previsto na lei do Sistema e Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social.
Para agravar o quadro ainda mais, o Ministro do Desenvolvimento Regional foi explícito ao anunciar que não haverá novas contratações de Faixa 1 enquanto não forem concluídas as 180 mil unidades já contratadas, o que não deverá acontecer, uma vez que o atual governo vem atrasando o pagamento das obras em execução e atrapalhando o trabalho realizado pelas Cooperativas e Entidades. Isto tem gerado atraso nas obras, inviabilizando projetos, gerando prejuízos e desemprego.
Entendemos que iniciativas como esta, sem previsão adequada de subsídios, e sem estar acompanhada de instrumentos que combatam a especulação imobiliária nas cidades, tornará a terra ainda mais cara e distante de quem mais precisa de moradia.
Consideramos que a cidade é uma construção social e que as políticas públicas devem disciplinar e gerar mais igualdade no acesso à moradia.
Resgatar o papel da moradia social no Brasil
Entendemos que é fundamental resgatar o papel do Fundo e Sistema Nacional de Habitação de Interesse social, com participação popular, fortalecimento do papel das comunidades e dos Movimentos organizados pela moradia. Sem controle social e gestão democrática, isto é impossível no Brasil.
Outra questão são os recursos para enfrentar o déficit habitacional e a regularização fundiária no Brasil. Não será retirando recursos para construção de moradia que resolveremos as questões da regularização. Não haverá produção de moradia de interesse social sem grandes subsídios para as famílias de baixa renda, o que significa aporte de recursos do Orçamento Geral da União.
Nesse sentido, a aprovação da PEC 285/08 da Moradia Digna apresenta melhor solução, garantindo um percentual do orçamento em todas as esferas públicas para a produção de Habitação de Interesse Social.
É necessário que seja revogada a EC 95/2016 – Teto de Gastos para que União, Estados e Prefeituras tenham mais recursos para investir na moradia e na regularização fundiária no Brasil. A desestruturação e privatização da Caixa é um entrave para a retomada do desenvolvimento urbano do Brasil, para obras de infraestrutura e para construção de moradias de interesse social.
A suspensão dos despejos na pandemia e pós-pandemia também é fundamental para que possamos dar tranquilidade para milhares de famílias em todo Brasil, vítimas da falta de capacidade governamental em garantir o direito constitucional de moradia.
Apresentamos conjuntamente com outros Movimentos, organizações e bancadas parlamentares de oposição diversas emendas que buscam aprimorar a MP 996. No entanto, é fundamental também a realização de audiências públicas, debates e aprimoramento coletivo para que não se descaracterize os instrumentos construídos para garantir a produção habitacional com controle social e gestão democrática, voltados para as camadas mais populares de nosso país.
Por fim entendemos que, enquanto a agenda ultraliberal de Bolsonaro, Mourão e Guedes estiver no comando do Brasil, não teremos condições de proporcionar moradia e direitos sociais ao povo Brasileiro. Precisamos garantir a democracia, diálogo, participação e construção coletiva de planos e de programas.
#ForaBolsonaro #DespejoZero
Brasil, 28 de agosto de 2020
Movimentos Populares Urbanos - Brasil
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcos Corbari