Perguntei se no hotel tinha água quente, ele respondeu: "Moço, no Piauí não existe água fria não..."
Tenho saudade do tempo em que viajava de carona. Sem dinheiro suficiente para viajar de ônibus e dormir em bons hotéis, sempre que possível viajava de carona e dormia em espeluncas. E meu destino favorito sempre foi o Nordeste.
:: Mais Mouzar | O verdadeiro mal da economia brasileira tem nome: o pão-duro ::
No fim, foi melhor assim, porque conheci melhor o povo.
Era um tempo em que os caminhoneiros não tinham medo de assaltos como atualmente. E gostavam de uma companhia para conversar na viagem, pois passavam semanas dirigindo. Davam carona com gosto.
:: Mais Mouzar | São Paulo anda enlouquecendo os gatos ::
Viajei muito de carona no final dos anos 1960 e nos anos 1970. Numa dessas viagens, com dois amigos, tínhamos como meta chegar a São Luís do Maranhão.
Quando chegamos em Teresina, capital do Piauí, resolvemos parar uns dias na cidade e precisávamos de um hotel bem barato. Fomos para perto da estação rodoviária, com mochilas nas costas, e logo estávamos rodeados por donos ou empregados de hotéis. Um deles ofereceu seu hotel, com diária de 15 cruzeiros por pessoa.
:: Mais Mouzar | Se eu tivesse guardado meu umbigo talvez minha vida teria sido outra ::
Outro gritou: “No meu é 12”. Em um outro era 10 cruzeiros, e foram baixando, até que um gritou que no hotel dele 6 cruzeiros por pessoa. Íamos aceitar esse, quando um outro gritou: “No meu é 6, com café da manhã”.
Fomos para esse, se não me engano o nome dele era Hotel São Cristóvão. Só tenho certeza de que tinha nome de santo. No caminho, resolvi brincar com o dono. Mesmo com aquele calorão de trinta e tantos graus, falei:
:: Mais Mouzar | Foi a língua portuguesa que me fez conhecer a pessoa mais inteligente do mundo ::
— Tem uma coisa: eu não tomo banho de água fria. No seu hotel tem água quente?
Ele sorriu e falou:
— Moço, no Piauí não existe água fria não...
Ri, gostei do humor dele. No hotel, ficamos com mais uns três ou quatro sujeitos num quarto grande, dormindo em redes.
:: Mais Mouzar | Quando acontece sozinha, a vingança é doce como um leite condensado ::
No dia seguinte, nas margens do rio Parnaíba, olhando para a outra margem, que já é estado do Maranhão, via a cidade de Timon (MA) e resolvemos ir lá. Fomos a pé. Mal atravessamos a ponte, caiu um baita pé d’água, ficamos ensopados, mas continuamos o passeio.
Estranhei que só choveu em Timon. Nem um pingo d’água em Teresina.
Quando voltamos para o hotel, comentei com o dono e vi que era um maranhense gozador.
:: Mais Mouzar | Um rádio, duas pilhas, e são dois pra lá, dois pra cá ::
Falei pra ele que achei esquisito chover só do lado maranhense, ele disse que acontecia muito isso e brincou:
— Piauiense quando quer ver chuva vai pra Timon...
Edição: Lucas Weber