Pouco mais de seis meses após o primeiro caso de infecção pelo novo coronavírus ser registrado no Brasil, ainda há algumas dúvidas sobre como o vírus se manifesta no corpo humano e quais são as sequelas deixadas por ele.
Casos crescentes da Síndrome Multissistêmica Inflamatória Pediátrica (SIM-P) tem preocupado médicos e pesquisadores ao redor do mundo, já que a doença que atinge majoritariamente crianças pode estar relacionada com o coronavírus.
Em entrevista ao programa Bem Viver, da rádio Brasil de Fato, a infectopediatra Adriana Paixão, mestre em Ciências Pediátricas pela Unifesp, explicou que os estudos apontam que a síndrome é uma resposta do sistema imunológico ao coronavírus, com manifestações que ocorrem semanas após a infecção.
Ao tentar se proteger da inflamação, o sistema imunológico gera uma resposta exarcebada que pode afetar vários órgãos.
“Não é uma lesão direta do vírus. É uma resposta do organismo. Como é uma síndrome, não tem uma manifestação única. Ela pode se manifestar em vários órgãos. Geralmente precisamos de dois órgãos envolvidos, uma persistência de febre, mais do que três dias ou uma sorologia positiva para o coronavírus ou um PCR positivo”, diz, sobre os critérios para diagnosticar a condição.
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No Brasil, segundo dados divulgados na primeira quinzena de agosto pelo Ministério da Saúde, foram registradas 117 ocorrências de SIM-P em crianças e adolescentes entre 7 meses e 16. Desse número, 9 vieram a óbito.
No entanto, no dia 25 do mesmo mês, a primeira morte de uma criança devido à doença foi confirmada em Pernambuco. Nesta segunda (31), dois casos também foram confirmados na Paraíba.
A infectopediatra, que atua no Hospital Beneficiência Portuguesa de São Paulo, afirma que além da febre persistente, vômito recorrente, manchas vermelhas no corpo, comprometimento respiratório e alterações gastro-intestinais estão entre os principais sintomas da síndrome.
Ela é taxativa ao falar sobre como evitar que as crianças e adolescentes manifestem a doença. “A melhor forma de prevenção no momento é não ser infectado pelo coronavírus. Como não se sabe ao certo nem quais são os perfis dessas crianças, não temos como prever quem são essas que vão evoluir para a Síndrome Inflamatória ou não”.
Confira a entrevista na íntegra.
Brasil de Fato: O que já se sabe sobre a Síndrome Multissistêmica Inflamatória Pediátrica?
Adriana Paixão: É uma síndrome que ainda está sendo muita estudada. Não se sabe ao certo a origem dela. O que os estudos apontam é que ela é uma resposta do sistema imunológico frente a infecção pelo coronavírus. O que é observado é que as manifestações ocorrem após um tempo da infecção, realmente não acontece nos primeiros dias. Geralmente até semanas após a infecção.
Não é como se fosse uma manifestação direta do vírus. O sistema imunológico tentando se proteger da infecção acaba gerando uma resposta exarcebada e acaba lesionando vários órgãos. É uma síndrome muito estudada porque ainda não sabemos quem são essas pessoas, se elas tem pré-disposição genética a ter essa síndrome.
Temos observado principalmente em crianças até 19 anos no caso dos critérios adotados pelo Brasil. Foi uma síndrome observada no fim do abril e no início de maio, e coincidiu justamente com 3 a 4 semanas após o pico da infecção pelo coronavírus lá na Europa.
Então começaram a observar os sintomas em crianças, principalmente, e começaram a estudaram e constataram essa associação de tempo com a infecção pelo coronavírus. É por isso que foi denominada Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica associada ao coronavírus.
Não é uma lesão direta do vírus. É uma resposta do organismo. Como é uma síndrome, não tem uma manifestação única. Ela pode se manifestar em vários órgãos. Geralmente precisamos de dois órgãos envolvidos, uma persistência de febre, mais do que três dias ou uma sorologia positiva para o coronavírus ou um PCR positivo. Ou até mesmo o fato da criança ter tido contato com alguém ou com sorologia ou PCR positivo para o coronavírus.
Essa síndrome não havia sido descrita até então? Ela surgiu após a pandemia?
Já sabemos que existem síndromes pós-infecciosas. Entre elas, a mais conhecida é a Síndrome de Kawasaki, com intersecções muito semelhantes à síndrome associada ao covid. Sempre soubemos dessa entidade, dessa resposta imune exarcebada após algum processo infecções.
Mas essa tem algumas diferenças em relação às mais conhecidas, a Síndrome de Kawasaki e a Síndrome de Ativação Macrofágica. Como ela tem diferenças e foi registrada após a infecção pelo coronavírus, ela está como uma nova manifestação, semelhante a essas bem conhecidas mas uma nova associada com o coronavírus.
Além da febre, quais outros sintomas chamam mais atenção? As crianças que desenvolveram a Síndrome podem ser assintomáticas?
Há alguns critérios para estabelecermos o diagnóstico de Síndrome Inflamatória Multissistêmica. Além da febre persistente, podem aparecer manchas vermelhas no corpo, que chamamos de exantema, alterações na boca como afta, úlceras, a língua mais avermelhada.
Sintomas gastro-intestinais como vômito persistente, diarreia. Às vezes a criança fica mais hipoativa, não quer brincar. Fica com desorientação. Isso tudo chama atenção.
É claro que algumas alterações só conseguimos ver mesmo quando pedimos alguns exames. Por exemplo, a Síndrome Multissistêmica pode ter alteração no coração. E aí quando fazemos exames específicos para essa parte cardiológica também observamos.
E alterações no sangue, que chamamos de alteração na coagulação. Quando fazemos os exames iniciais conseguimos ver essas alterações.
O que realmente é interessante nessa síndrome é que como tem que ter essa manifestação, não tem como darmos o diagnóstico para uma criança sem sintoma. Mas às vezes a criança que tem a Síndrome Multissistêmica pode até ter tido uma infecção pelo coronavírus e não foi diagnosticadas.
Algumas crianças que foram assintomáticas da infecção pelo coronavírus e podem ter a Síndrome Multissistêmica depois de semanas. E ela pode ser muito grave. Como ataca vários órgãos, pode levar a uma falência múltipla de órgãos.
Claro que não são todas as formas que chegam nessa gravidade, existem casos moderados que ficam em observação para verificar os exames mas em algumas é preciso de internação na UTI com um suporte de unidade intensiva maior.
O protocolo de atendimento é multidisciplinar?
Com certeza. Geralmente chamamos infectologista, um intensivista no casos mais graves, reumatologista, hematologista. Mas também outros profissionais da área: fisioterapeuta é muito importante quando existem as alterações pulmonares, a equipe da enfermagem. Realmente pro êxito após o diagnóstico da Síndrome geralmente são com vários profissionais da saúde.
Existe algum remédio ou medicamento específico para o tratamento dessa síndrome?
O que nós geralmente entramos quando precisa controlar essa hiper inflamação, entramos com remédios que controlam essa parte imunológica exarcebada. É feito quando há necessidade.
Nos casos moderados geralmente acompanhamos. Mas em casos onde é preciso um controle maior da inflamação, pode-se entrar com imunoglobulina, com corticóide e outros imunomoduladores que entram em casos onde há falhas deste tratamento primário.
Entre as crianças, tem sido registrada diferença entre faixas etárias? Alguma é mais afetada que outra?
É interessante essa parte da idade. Nas síndromes como Kawasaki, nós víamos em idades mais baixas, abaixo de 2 e 3 anos. Para o coronavírus, sabemos que abaixo de um ano e os adolescentes tem maior gravidade quando falamos da infecção pelo vírus.
Já o desenvolvimento da Síndrome Multissistêmica, temos observado mais em crianças a partir de 5 e 6 anos de idade, até 9, 10 anos. Pega mais essa faixa etária que não observamos tanto nas síndromes inflamatórias já conhecidas e até mesmo na infecção direta pelo coronavírus.
Existe alguma forma de prevenção para a síndrome ou é a manutenção dos protocolos sanitários contra o coronavírus?
Com certeza a melhor forma de prevenção no momento é não ser infectado pelo coronavírus. Como não se sabe ao certo nem quais são os perfis dessas crianças, se elas tem alguma alteração ou não, não temos como prever quem são essas que vão evoluir para a Síndrome Inflamatória ou não. Então, realmente, por enquanto, a melhor força de prevenção é não ser infectado.
Em agosto, a Sociedade Brasileira de Pediatria reforçou o pedido de notificação ao Ministério da Saúde dos casos da síndrome. Qual a importância desse monitoramento?
É importante para o próprio reconhecimendo da síndrome. Como eu falei, não é fácil de dar o diagnóstico. Tanto para alertar. Quando colocamos uma doença sob notificação isso acaba alertando os profissionais a terem um olhar para conseguirem identificar.
E até mesmo como é uma doença que pode gerar uma gravidade maior, esse controle de notificação também é importante para isso. Toda doença que pode levar a uma gravidade maior é importante de ser monitorada justamente para termos um controle, estudarmos e conseguirmos ter medidas mais efetivas para realmente evitar que leve a maiores internações em um ambiente de UTI ou até mesmo a óbito.
Quais são as orientações para mães, pais e outros responsáveis, principalmente para crianças testaram positivo para covid-19?
O que temos orientados os pais é verificar realmente os sinais de gravidade para procurar o atendimento. Uma febre mais persistente, acima de três dias, caso a criança fique hipoativa, não brinque. Um vômito persistente porque isso acaba desidratando e é um sinal de alerta.
Então todos esses sinais indicam que tem uma alteração. E a criança demonstra muito no estado geral, é o que percebemos. Quando a criança que brinca, que corre, que ri, começa a ficar paradinha, é sempre um sinal de alerta. Tudo isso é manifestação de que os pais têm que levar a criança para o atendimento médico.
Tem se discutido quando ocorrerá a volta às aulas. Com a possibilidade do desenvolvimento dessa síndrome em crianças, como você enxerga o retorno neste momento?
Sabemos que há uma questão social, que as crianças precisam de um contato com outras crianças e continuar realmente a educação. Só que nem só a síndrome multissistêmica, que realmente chama a atenção, mas também o fato da volta às aulas trazer o risco da criança levar o vírus pra casa e passar pros adultos, para os avós, que também são grupo de risco.
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Para a volta às aulas é preciso um controle rigoroso com todas as medidas já conhecidas. Lavagem de mão, uso de máscara e, é claro, verificar o melhor momento possível para esse retorno das aulas. Enquanto tivermos muito casos ou então aumentando o número de casos, fica mais difícil ter esse retorno seguro das aulas.
Ainda mais quando levamos em consideração a faixa etária menor, que sabemos que fica mais difícil ter esse controle. Quem realmente tem criança sabe o quanto é dificil deixar usando máscara adequadamente, evitar o abraço. Tudo isso deve ser levado em consideração pro retorno das aulas.
Edição: Rodrigo Durão Coelho