Uma semana após ser preso acusado de furtar espigas de milho em uma fazenda vizinha à aldeia Ywyraty Porã, em Terra Roxa (Paraná), o cacique Avá Guarani Crídio Medina denunciou o que considerou abuso policial durante sua prisão. “Quando cheguei na Delegacia [de Terra Roxa] foi feito um papel dizendo que a polícia me prendeu em flagrante roubando o milho dos fazendeiros. Mas realmente não foi assim (...) Foi feito uma estratégia contra a gente. Pra jogarem a culpa nos indígenas. E essa estratégia, de acharem culpa, é pra gente ser expulso das aldeias”, disse o cacique.
Crídio foi preso na última quarta-feira, dia 26 de agosto, acusado de furtar milho. Na ocasião, de acordo com o irmão do cacique, Laucídio Medina, crianças foram até a terra vizinha e recolheram algumas espigas de milho que haviam sobrado da colheita normal. As espigas seriam usadas para preparar Avati Ku’i (farinha) e para fazer o Kangui e rora, bebida típica dos Guarani, produzida com milho maduro. Ao ver as crianças com as espigas, o dono das terras acionou a polícia.
Crídio foi levado à Delegacia e permaneceu preso até a sexta-feira, dia 28. “A Polícia Militar apareceu na aldeia. Foi de noite já. Eu estava em casa. E aí a comunidade me chamou pra aparecer aqui na escolinha pra gente ver o que estava acontecendo”, relembra Crídio.
Segundo o cacique, o dono da fazenda, que teria dado autorização para as crianças colherem as espigas, estava junto neste momento e negou a versão. Crídio frisa que as crianças tinham autorização já que, de acordo com denúncia do cacique, o dono das fazendas usa a mão de obra das crianças nas colheitas, pagando até R$ 5 a saca de milho.
Por ser liderança, Crídio foi com os policiais à Delegacia sob a promessa, segundo ele, de retornar no mesmo dia, o que não aconteceu. Crídio só foi liberado na sexta-feira, após entidades se manifestarem contrárias à prisão do cacique.
“Ele [policial militar] chegou [na aldeia] e falou comigo: ‘É só um momentinho. Você vai na Delegacia fazer um relato e já volta’. Mas ele mentiu. Quando eu fui lá, ele fez o papel e colocou que a polícia me prendeu em flagrante (...). Eu sou cacique e sempre quando o pessoal de fora, ou da polícia ou da Justiça ou da Funai, aparece na aldeia, eu sempre fico pra conversar. Respeito muito! Acho que a polícia poderia ter chegado na minha casa e conversado comigo, pra gente fazer a vistoria junto com a comunidade e dentro da aldeia. Mas o trabalho deles [Polícia Militar] não é mais assim. Ele chegou diretamente, entrou na aldeia, sem permissão, mesmo durante a pandemia. Então eu percebi que ele queria me levar... Me fechar e me levar preso na cadeia. Isso é muito claro: eu fui perseguido pelo própria Polícia Militar”.
Crídio considera que a ação é uma estratégia para enfraquecer a força da comunidade e dar aval para que saiam das terras, que, este ano, teve a suspensão dos processos de demarcação proferida pela Justiça Federal. Além disso, a Polícia entrou na aldeia em um período de pandemia, onde só podem acessar as terras pessoas autorizadas.
“Na Delegacia foi falado que já tem um monte de boletim de ocorrências contra mim. E daqui uns dias, conforme ele [policial] me falou, ‘o cacique vai ser fechado na cadeia’”, conta Crídio, que relembra uma outra ocasião em que os indígenas foram acusados de furtar gado e matar bois das fazendas vizinhas.
A região há anos sofre com casos de violência e ameaças e, de acordo com o cacique, não há ação efetiva da polícia nesses momentos.
Outros casos
Essa não é a primeira vez que que os Guarani são acusados de crime. Em 2018, cinco Guaranis da Tekoha Mokoi Joegua, no município de Santa Helena, foram presos pelo corte de bambu, que seria ser utilizado num ritual religioso.
Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Sul a prisão, em ambos os casos, foi um ato racista e preconceituoso.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Lia Bianchini