A família da menina de 10 anos que realizou o procedimento de aborto legal após ser estuprada pelo tio aceitou participar do Programa de Apoio e Proteção às Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas da Violência (PROVITA), oferecido pelo governo do Espírito Santo. Com isso, a família se muda para uma casa com aluguel pago, recebe um auxílio financeiro individual por até quatro anos e novas identidades.
A medida veio após o entendimento de que tanto a menina como a sua família haviam sido expostas demasiadamente após a repercussão do caso nacionalmente e os ataques recebidos de fanáticos religiosos. Segundo Gabriela Rondon, consultora jurídica do Instituto de Bioética e faz parte da defesa do direito ao aborto no Supremo Tribunal Federal (STF), o Estado deve fornecer todo suporte demandado pela vítima, além da interrupção segura da gravidez, quando requerida.
De acordo com a pesquisadora, a cadeia básica de assistência é justamente um atendimento por equipe multiprofissional em uma unidade de saúde. “Não só o atendimento médico, mas também o atendimento psicológico por assistentes sociais, entendendo uma perspectiva integral do acesso à saúde”, afirma Rondon.
Ainda que essa não seja a tônica do atendimento às vítimas de violência sexual por parte dos órgãos públicos brasileiros, “a primeira resposta que o Estado tem de dar em qualquer situação como essa é uma integral em saúde, ou seja, acolher essa menina, e eventualmente quem esteja a acompanhando, e dar toda assistência para todas as decisões que precisam ser tomadas”, afirma Rondon.
Essa cadeia de atendimento envolve um atendimento humanizado, profilaxia para doenças sexualmente transmissíveis e gravidez, apoio psicológico e de proteção, bem como auxílio em um processo criminal. “A primeira resposta que essas meninas e mulheres mais precisam é simplesmente serem cuidadas.”
Nesse serviço, o Sistema Único de Saúde (SUS) não só tem toda qualificação técnica e de equipamentos para acolher a vítima e para realizar os procedimentos eventualmente necessários, como também é ‘fundamental” por ser o único sistema de saúde de magnitude e capilaridade expressiva para a população brasileira. É por meio do SUS que existe a possibilidade da realização da interrupção da gravidez e o encaminhamento para programas como o PROVITA do Espírito Santo.
Na prática
O desafio se impõe, na realidade, pela negação e falta de conhecimento dos direitos das mulheres e das normas técnicas que padronizam o aborto legal no Brasil. Atualmente, são três os casos em que o aborto é regulamentado pelas leis brasileiras: anencefalia do feto, estupro e risco para a gestante de perder a vida.
Mesmo com autorização judicial para realizar a interrupção da gravidez da criança de 10 anos, que também corria risco de perder a vida, a direção do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam), em Vitória, no Espírito Santo, se recusou a fazê-lo. A superintendente da instituição, Rita Checon, alegou motivos estritamente técnicos, em um pronunciamento à imprensa. A criança precisou ser transferida para Pernambuco para interromper a gestação.
“Não é difícil, é muito menos arriscado do que um parto, então deveria ser encarado como é: um procedimento de saúde simples e que deveria estar disponível em toda e qualquer unidade de saúde que tenha atendimento ginecológico, justamente para poder enfrentar esse problema tão grave que é o da violência sexual que a gente sabe que no país alcança número exorbitantes”, afirma Rondon.
Por essa perspectiva, há a explícita necessidade de melhorar a formação dos profissionais em relação às normas técnicas e legislativas, expandir o acesso aos conhecimentos de aborto humanizado e o atendimento às mulheres vítimas de violência sexual, além de disponibilizar o aborto legal em mais unidades de saúde pública.
Outros programas de apoio
Em todos os estados é possível encontrar um programa de apoio à vítima de violência e a Lei Maria da Penha, ainda que não necessariamente haja necessariamente vinculação a uma situação de aborto. “Pode ser acionado nessas situações em que se encara que posteriormente à atenção saúde ainda existem outras vulnerabilidades em que essa mulher possa ser vítima de violência”, finaliza a advogada.
Edição: Rodrigo Durão Coelho