O jovem músico negro da Orquestra da Grota, de Niterói, estado do Rio de Janeiro, Luiz Carlos da Costa Justino foi libertado neste domingo (6). O juiz de Direito André Luiz Nicolitt revogou, no sábado, a prisão preventiva que levou Luiz à cadeia e expediu um alvará de soltura, colocando-o em prisão domiciliar. O violoncelista da Grota foi preso na quinta-feira (3), após reconhecimento fotográfico feito em 2017, por uma vítima de assalto. Luiz estava trabalhando no dia do crime.
Em seu despacho, o magistrado da Comarca de São Gonçalo, onde Luiz está preso após ter sido transferido de Benfica, afirmou que são muitas as objeções que se pode fazer ao reconhecimento fotográfico que levou o jovem à prisão. “Primeiro, porque não há previsão legal acerca da sua existência, o que violaria o princípio da legalidade. Segundo, porque, na maior parte das vezes, o reconhecimento fotográfico é feito na delegacia, sem que sejam acostadas ao procedimento ‘as supostas fotos utilizadas’ no catálogo, nem informado se houve comparação com outras imagens, tampouco informação sobre como as fotografias do indiciado foram parar no catálogo, o que viola a ideia de cadeia de custódia da prova”, explicou o juiz Nicolitt.
“Desse modo, não é possível saber se o autor do ‘reconhecimento’ (de crime que ocorreu em 2017) indicou o indivíduo reconhecido, confirmou uma opinião de terceiros, ou, até mesmo, se existiram dúvidas se o autor da conduta criminosa seria a pessoa da fotografia. Por fim, a falta de participação do indiciado é algo que empobrece o ato sobremaneira . Precisamente sobre o caso, causa perplexidade como a foto de alguém primário, de bons antecedentes, sem qualquer passagem policial vai integrar álbuns de fotografias em sede policial como suspeito”, afirma o juiz.
Desconfiança
Nicolitt questiona ainda por que um jovem músico negro, violoncelista, que nunca teve passagem pela polícia, inspiraria “desconfiança” para constar em um álbum de fotos na polícia. E como essa foto foi parar no procedimento.
“Com efeito, se de um lado temos um jovem violoncelista, sem antecedentes, com amplos registros laborais, com formação em Música por anos, sendo dotado de sofisticados conhecimentos decorrentes de sua formação musical, como domínio sobre leitura de partituras, músicas eruditas e técnicas de solfejar; que é bem quisto pela comunidade, tudo conforme documentos; e, de outro lado, temos um relatório policial que não explica como sua foto constou do álbum sem que houvesse uma investigação prévia, esta incongruência fragiliza a utilização do reconhecimento para sustentar uma prisão cautelar, vez que não há documentação da cadeia de custódia da prova. Em resumo, um suspeito sem investigação prévia, que já é apresentado em um álbum no ato do registro da ocorrência, é um suspeito que precede o próprio fato. É uma espécie de suspeito natural”, registra o magistrado que explica, ainda, o absurdo da prisão preventiva nesse caso.
“A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. Saliente-se que a liberdade do acusado ao longo desses dois anos não gerou qualquer problema para a sociedade, pois não responde a qualquer outro crime, sendo que a única organização de que se tem notícia a que o mesmo pertence é uma organização musical. Ao que parece, ao invés de gerar perigo, nesses 03 anos, vem promovendo arte, música e cultura.”
Risco à vida
Para definir pela revogação da prisão preventiva do jovem músico negro, o juiz lembrou ainda os riscos à vida, diante da pandemia pela covid-19. “Soma-se a tudo o fato de que em meio a uma pandemia, com recomendações do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para especial cuidado com medidas privativas de liberdade, não é prudente, à luz de elementos tão frágeis e não contemporâneos, manter um jovem, trabalhador, encarcerado, podendo se contaminar ou contaminar outros presos. Com efeito, diante de inquérito e prisão, lastreados apenas no reconhecimento fotográfico, associado à pandemia do covid-19, impõe-se revogar a segregação cautelar, pois uma pessoa presumidamente inocente, tendo à frente uma epidemia planetária que coloca sua vida em enorme risco, destacadamente os que se encontram em local sem menor condição de higiene.”
Advogados e companheiros de Luiz na Orquestra da Grota já estão em São Gonçalo com o despacho do juiz Nicollit, para levar o jovem violoncelista para casa.