A proposta de reforma administrativa enviada pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido) ao Congresso Nacional mantém privilégios de poucos, retira direitos de muitos e abre brecha para perseguição de servidores, segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato.
As mudanças elaboradas pela equipe econômica do governo estão todas contidas numa única proposta de Emenda à Constituição (PEC), identificada como 32/2020.
A aprovação de uma PEC é muito mais difícil do que um projeto de lei, por exemplo - a proposta deve ser discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos e só pode ser aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos de senadores e deputados.
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Max Leno, economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), afirma que as proposições de Bolsonaro fragilizam a condição de trabalho dos servidores, em especial o fim da estabilidade.
“Pode-se intensificar a questão do assédio moral, pode-se intensificar a substituição por servidores temporários ou terceirizados”, diz o economista.
Para ele, o Executivo assume um tom “fiscalista” na proposta, induzindo a população a acreditar que está economizando em contas públicas, quando, na realidade, está cortando direitos de servidores e, consequentemente, piorando serviços públicos.
“Essas mudanças têm um cunho fiscalista, sem dúvida alguma. O governo tenta passar a ideia para a sociedade que ele está tentando prezar pelas contas públicas, aumentar a produtividade do setor público, mas não podemos esquecer que grande parte dos serviços que são prestados à sociedade tem o servidor na ponta”, ressalta Leno.
Segundo o economista, o movimento da equipe de Bolsonaro sugere uma diminuição do Estado em prol de interesses privados. “Há possibilidades bastante evidentes de que alguns dos principais tipos de serviço público que hoje são desenvolvidos possam vir, no futuro, para a mão da iniciativa privada.”
O diretor da Federação dos Trabalhadores do Judiciário Federal (Fenajufe), Thiago Duarte Gonçalves, afirma que as mudanças propostas não resolvem problemas estruturais e mantém intactos privilégios de juízes, militares e procuradores, por exemplo.
“Ele [Bolsonaro] transforma a carreira do funcionalismo em cinco tipo de carreiras, sendo que, para o tipo da cúpula, que eles chamam de carreira de estado, a estabilidade continua vigente, não tem discussão de teto, não trata a questão do nepotismo e não trata a redução de jornada com a redução de salário”, diz.
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Ele questiona o fato de a reforma não tocar em aposentadorias compulsórias dessa “cúpula”. “Não existe aposentadoria compulsória como punição para servidor público normal. Só existe para juiz e para promotor. Nem para parlamentar existe isso”.
Thiago chama a atenção para o acréscimo por Bolsonaro, no artigo 37 da Constituição, do princípio da subsidiariedade, que dá espaço para mais “organizações sociais” e menos Estado.
“Eles tratam a questão de as ‘organizações sociais’, eles usam esse termo, substituírem várias iniciativas que hoje precisam de concurso público. O objetivo estratégico do bolsonarismo é substituir concursado por organização social e aí aparelhar o Estado. É isso que eles querem a médio prazo, daqui cinco, dez anos”, avalia o diretor da Fenajufe.
Ele também reclama da intenção de acabar com a estabilidade para novos servidores. “A perspectiva é de uma administração pública cada vez mais com interesses particulares. A estabilidade é, às vezes, muito mal compreendida, como se fosse um privilégio. Mas isso é uma conquista da constituinte de 1988. Não existia estabilidade na ditadura militar”.
Thiago prevê tempos “sombrios” caso a reforma seja aprovada no Congresso. “A partir do momento em que você relativiza a estabilidade, que é o que eles estão fazendo com essa PEC, seja para os atuais servidores, seja para os futuros, você abre margem para os interesses do governo de plantão se sobreporem a interesse da cidadania. A perspectiva é sombria”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho