Quando o general Eduardo Pazuello assumiu interinamente o Ministério da Saúde, no dia 15 de maio, o Brasil registrou 14.817 mortos e 218.223 casos de covid-19. Um dia antes de sua efetivação como chefe da pasta, o país atingiu a marca de 132.006 mortos e 4.345.610 casos registrados do novo coronavírus, de acordo com dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Os números representam quase 10 vezes mais óbitos e 20 vezes mais infecções.
Mesmo diante deste cenário, depois de quatro meses atuando como ministro interino, Pazuello será efetivado no cargo nesta quarta-feira (16), às 17h no Palácio do Planalto.
Pazuello chegou ao governo para comandar as operações logísticas do ministério, ainda sob a gestão do oncologista Nelson Teich, a pedido do próprio presidente Jair Bolsonaro, de quem é amigo pessoal. Efetivamente, no entanto, tornou-se responsável por todas as decisões práticas da pasta.
De acordo com a infectologista Raquel Stucchi, integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o Brasil teve até agora “um total descontrole da pandemia, que praticamente seguiu o curso que ia seguir com ou sem um ministro da Saúde. Nós mantivemos em três meses, mais que isso, um platô alto de casos confirmados e óbitos”, ressalta Stucchi.
Stucchi diz receber com "preocupação e tristeza" a notícia da efetivação do ministro e considera que o fato de Eduardo Pazuello não ter formação na área da saúde reflete em seu comportamento à revelia da ciência no comando da pasta.
“A gente não percebeu um desempenho, e acho que isso é compreensível porque ele não é da área mesmo. E recebemos [a notícia da efetivação] com muita preocupação e tristeza, porque temos sérios problemas de saúde, além da covid, que precisam ser olhados à luz da ciência, mas até o momento, ele parece não se ater a este fato”, diz.
Diminuição do orçamento
O senador e médico Humberto Costa (PT-PE) lembra que o Ministério da Saúde, já sob a gestão de Pazuello, “deixou de executar boa parte dos recursos autorizados pelo Congresso Nacional para a aplicação do enfrentamento à covid-19”. De R$ 38,9 bilhões, apenas R$ 11,4 bilhões saíram dos cofres federais até 25 de junho, segundo uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU). Os recursos gastos representam somente 29% da verba emergencial prevista para combater o novo coronavírus.
Presença militar não representou ganho técnico
Tão logo assumiu o cargo interinamente, Pazuello nomeou nove militares para cargos técnicos do governo. Isso não representou, no entanto, um ganho em termos de qualidade de gestão e eficiência para a administração pública, conforme defende Costa.
“O Ministério da Saúde sempre teve uma estrutura formada por quadros especializados na área sanitária, gente da melhor qualificação possível, e boa parte dos dirigentes foram substituídos por pessoas que não têm qualquer vínculo com a área da saúde, especialmente militares que têm um outro tipo de formação”, afirma Humberto Costa.
Para o parlamentar, a militarização do governo, da qual a efetivação de Pazuello é mais um capítulo, se apresenta “muito mais no sentido de construir uma aproximação, uma base política para Bolsonaro”.
Narrativa contra os fatos
Diante do crescimento exponencial do número de mortes causadas pela doença sob sua gestão, na segunda semana de agosto, em uma das reuniões periódicas que a Organização Mundial de Saúde (OMS) realiza com os governos do mundo todo, Pazuello limitou-se a falar apenas sobre o número de casos de pacientes recuperados do novo coronavírus, sem tocar na quantidade de óbitos e casos confirmados,
"Estamos entre os líderes mundiais em pacientes recuperados, o que evidencia o acerto das ações do governo brasileiro em resposta à pandemia", afirmou o então ministro interino. Pelos dados da própria OMS, o Brasil é o segundo país mais casos mortes e casos de infectados, em termos absolutos.
Em junho de 2020, Pazuello já havia demonstrado “descaso” com os fatos quando determinou a retirada do número acumulado de casos e óbitos do painel oficial de monitoramento epidemiológico da covid-19, deixando somente os registros das últimas 24 horas. Com a repercussão negativa, principalmente entre cientistas e imprensa, o governo recuou.
Diferente dos outros dois ministros que ocuparam o cargo, Teich e Luiz Henrique Mandetta, o novo ministro mostrou total alinhamento à política do presidente em relação à pandemia.
A postura ficou evidente quando, logo que assumiu a pasta, mudou o protocolo do Ministério da Saúde a fim de permitir a prescrição de cloroquina para pacientes com sintomas leves da covid-19, ainda que o medicamento não apresente nenhuma comprovação científica de combate à doença. Pelo contrário, há reações adversas, como problemas cardíacos.
A ausência de lastro científico também não impediu que a pasta distribuísse 100.500 comprimidos de cloroquina para indígenas, conforme informou o próprio Pazuello, em coletiva de imprensa, no dia 24 de julho.
Edição: Leandro Melito