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A vida cobra aqueles que resolvem beijar cobras

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Nesta semana, Mouzar Benedito traz um causo venenoso - Timothy Dykes/Unsplash
Um sujeito um tanto malvado resolveu tirar a prova, e levou uma jararaca pra ele.

Um estudante de Brasília, mais amigos e parentes dele foram presos por tráfico internacional de animais. O que revelou o esquema dele foi a picada de uma naja, cobra muito venenosa originária da Índia. Teve que ir para um hospital ou morreria.

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Por causa dele me lembrei de um tipo de camelô que existia há umas décadas, que viajava pelo Brasil levando remédios que, no discurso inflamado dele, curavam tudo.

Geralmente, esses vendedores levavam duas malas e uma mesinha portátil. Numa das malas estavam os remédios, vidrinho pequenos com o que diziam ser óleo de peixe elétrico e um elixir produzido em Aparecida do Norte, onde era benzido pelo bispo. Erisipela, úlcera, nó nas tripas, problema nos pulmões, fadiga sexual... Seus remédios valiam pra tudo.

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Na outra mala, uma cobra, que era usada para atrair o público.

Todo mundo ficava meio entre excitado e receoso vendo o sujeito brincando com uma baita cobra. Só que muita gente não conhecia aquele tipo de cobra, jiboia, que não é venenosa. Gozado é que cobra de camelô sempre se chamava Catarina. Dona Catarina.

E o camelô falava, falava, falava... Aí surgiu o ditado para quem fala muito. Dizem que ele fala mais do que o homem da cobra.

Uma vez, numa viagem de trem de Belo Horizonte (MG) a Salvador (BA), que durou quatro dias. Em Caculé, no sul da Bahia, entraram no trem uns homens que ficaram curiosos vendo um amigo meu que levava um livro que tinha na capa uma cobra com a boca aberta.

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Querendo puxar assunto, perguntei se tinha muita cobra por ali, disseram que sim.

— Toda semana morre um mordido de cobra aqui... — falou um deles, quase com orgulho.

E contou do que tinha acontecido uns dias antes.

Um vendedor desses dizia que encantava cobras, beijava a dona Catarina e disse que encantava qualquer cobra.

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Um sujeito um tanto malvado resolveu tirar a prova, e levou uma jararaca pra ele.

Acho que de tanto fingir que encantava serpentes, o vendedor começou a acreditar que encantava mesmo. Pegou a jararaca pelo pescoço, se é que cobra tem pescoço, falou algumas palavras esquisitas e foi trazendo a danada pra perto de sua boca, dizendo que ia dar um beijo nela.

A cobra, não sei como, deu um impulso e mordeu a língua dele.

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Segundo o homem me contou, na hora a língua começou a inchar. “Virou uma gravata”, ele disse. Não conseguia nem falar. O camelô correu até um médico, que deu o veredito:

— Picada na língua? Não tem cura. Nem vou te dar remédio, que não adianta.

E lá se foi pro beleléu um suposto encantador de serpentes.

Edição: Lucas Weber